UFRJ indica Nei Lopes para título de Doutor Honoris Causa
Por Redação
Foto por Marcelo Faria: Agência Sambrasil / Portal Sambrasil
A Congregação da Faculdade Nacional de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aprovou nesta quarta-feira (28/7), por unanimidade, pedido de reconsideração sobre a indicação ao título de doutor honoris causa a Nei Lopes, cantor, compositor, escritor e estudioso de culturas africanas e afro-brasileiras.
Uma semana antes, a mesma indicação havia sido vetada. A questão formal seria o fato de que Nei, apesar de formado justamente na universidade – e em Direito – apesar de vasta carreira como compositor e escritor, não teria tanta atuação técnica e efetivamente no Direito.
Nesse primeiro momento, o intelectual disse: “Meu trabalho como compositor e escritor tem como razão principal minha condição de cidadão afrodescendente. Quando tive a notícia da recusa, fiquei triste. Mas, logo em seguida, a relatora do processo me enviou uma longa mensagem me pedindo desculpas. Ela, inclusive, declarou-se conhecedora da minha obra e disse que foi levada a erro pelos propositores da homenagem”.
Nei Lopes formou-se na Faculdade Nacional de Direito em 1966
Com isso, o processo seguirá para análise do Conselho do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas. Sendo aprovado nesse órgão, irá para apreciação final pelo Conselho Universitário (Consuni) da UFRJ.
Em 30 de junho, a Congregação da faculdade havia negado a indicação. Dez integrantes do órgão votaram a favor da concessão do título ao artista, e oito se manifestaram contra a medida. Para aprovação, eram necessários 14 votos, equivalentes a dois terços dos membros da congregação, conforme a Resolução 1/1994 do Consuni.
Na ocasião, a relatora do caso, professora Ana Lucia Sabadell, opinou em parecer que, apesar de sua formação em Direito, Nei Lopes teve “tímida atuação como advogado” e “não guarda relação estreita com o campo jurídico”. Isso, segundo ela, prejudica a apresentação de um parecer “minuciosamente justificado”, exigido pela Resolução 1/1994 do Conselho Universitário da UFRJ, que estabelece as normas para a concessão de títulos honoríficos pela instituição.
O autor do pedido, o advogado Eloá dos Santos Cruz, pediu reconsideração da decisão. Segundo ele, houve uma interpretação restritiva por parte de Sabadell ao discordar do pedido pela deficiência de sua instrução processual. Para o advogado, o pedido original já tinha argumentos suficientes, e a relatora poderia ter solicitado esclarecimentos e documentos adicionais para fundamentar o seu parecer. Cruz também pediu que fosse considerado artigo do professor Silvio de Almeida publicado no jornal Folha de S.Paulo, em que ressalta a importância da obra de Nei Lopes para o Direito e a cultura brasileira.
Em novo parecer, Ana Lucia Sabadell manifestou-se a favor da concessão do título de doutor honoris causa a Nei Lopes. A professora apontou que “o título de doutor honoris causa pode ser concedido a personalidades nacionais e estrangeiras de alta expressão”, conforme o artigo 3º da Resolução 1/994 do Consuni.
Sabadell destacou que Nei Lopes, formado na Faculdade Nacional de Direito, “deu vida, além de notáveis produções musicais, a mais de 40 livros e diversos artigos científicos, publicados tanto no Brasil quanto fora do país”. Ela destacou que o intelectual, entre os anos 1970 e 1980, iniciou a produção de “vasto estudo” sobre a história, a religião, a música e a cultura afro-brasileiras. “Suas obras tornaram-se referências fundamentais para a compreensão da discriminação racial no Brasil”.
A relatora citou alguns desses livros. Em Kitábu, “são retratados seus estudos sobre religião de forma a se constituírem como um gesto político que desvenda as invisibilidades e que propicia a tomada de uma consciência coletiva sobre o significado de ser negro no Brasil”, avaliou a docente.
A obra História e Cultura africana e afro-brasileira, “através de uma longa e acurada imersão sobre o tema, analisa a herança africana, perpassando pelo estudo da escravidão, sua abolição e a formação dos Quilombos”. “Nesta obra, o autor ocupa-se também do período atual, adentrando no estudo sobre a complexa questão da discriminação e exclusão dos afrodescendentes no país, ao tratar de temas como o mito da democracia racial brasileira e a importância das ações afirmativas enquanto instrumento para concretização da igualdade”, ressaltou a professora.
Conforme a relatora, o intelectual demonstra como as ideias positivistas contribuíram “para que uma suposta ideia de inferioridade das culturas afro-brasileiras adentrasse no inconsciente nacional” e para a invisibilidade e exclusão dos negros no Brasil.
Além disso, Sabadell apontou como Nei Lopes analisa os impactos do racismo estrutural e defende a educação como instrumento de transformação. “Nei Lopes nos mostra que a discriminação da população negra entrelaça práticas de violação de direitos sociais, culturais e econômicos com as práticas de violação de direitos civis e políticos”.
A partir dos estudos e de sua contribuição artística, é possível “identificar no autor uma preocupação pela igualdade material, por uma equidade”, opinou a docente. “Por tais motivos, reconhece esta relatora que a análise do Dr. Silvio de Almeida, sobre a relação do autor com o Direito, destacada pelo recorrente, é incontestável”, concluiu Sabadell, manifestando-se pela concessão do título de doutor honoris causa a Nei Lopes.
Declaração de voto
A professora Vanessa Oliveira Batista Berner, em declaração de voto, elogiou a aceitação do pedido de reconsideração pela Congregação. Em sua visão, Nei Lopes é, “sem sombra de dúvidas, um dos mais ilustres egressos da Faculdade Nacional de Direito”.
“Em meu entendimento, a concessão do título de doutor honoris causa para Nei Lopes favorecerá e estimulará a discussão sobre o racismo no meio jurídico, tarefa urgente em nosso campo, além de trazer a possibilidade de ampliação de debates sobre as injustiças sociais e incongruências persistentes na sociedade brasileira quando se trata de nossas origens africanas”, declarou Vanessa Berner.
“A obra de Nei Lopes permite-nos descobrir realidades desconhecidas pela maioria de nós. Em uma Faculdade como a Nacional, nada mais oportuno que conceder a mais alta dignidade acadêmica a este ex-aluno que tem colocado a sua arte e o seu conhecimento a serviço da verdade, da justiça, da igualdade, da diversidade étnico-racial e cultural, princípios basilares do texto constitucional brasileiro e do Estado Democrático de Direito”.
Presidente do Instituto Luiz Gama, o professor, escritor e advogado, Silvio Almeida acrescentou, em seu twitter: “Em sua obra que inclui mais de 37 livros e muitas composições, Nei Lopes inscreve-se no rol dos grandes nomes do pensamento social brasileiro, com contribuições na arte, na filosofia, nas ciências sociais e na história”. Isso explica bem o conceito de honoris causa, visto que além do intelectual que é, Nei já foi dirigente da G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel e G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro. Gravado por praticamente todos os grandes nomes da música brasileira, a obra dele é um daqueles patamares difíceis de se alcançar.
Título de Doutor Honoris Causa
É uma espécie de doutorado simbólico a quem tenha extrapolado fronteiras da própria área de atuação e de alcance igualmente amplo e significativo, é o reconhecimento a quem tenha contribuído – ou venha contribuindo – com trabalhos que enriqueçam o saber e a evolução da sociedade da qual faça parte. A exemplo de Nei, também já foram condecorados por seus feitos: Paulo Freire, Joaquim Barbosa, Elza Soares, Carolina Maria de Jesus, Oprah Winfrey, Chacrinha, Chaplin, Muhammad Ali e Einstein, entre muitos outros. Panteão pra ninguém botar defeito, né não? Enfim, merecidamente o título contempla um escritor tão interessado em transmitir uma cultura que ancestralmente, não era repassada de forma escrita ou gravada. Os nossos vão ter um acervo e tanto que temos visto sendo construído.
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