Sambrasil Entrevista: Tia Maria – A Rainha do Jongo
Por Marcelo Faria
Tia Maria, a maior referência viva da comunidade da Serrinha, do Império Serrano e do grupo musical, que criou a Casa do Jongo, completará 98 anos no dia, 30 de dezembro. O Portal Sambrasil como sempre reverência a esta grande dama, e presta uma justa homenagem à Tia Maria, em uma matéria especial para a coluna Personalidade, e desde já lhe parabeniza por mais um ano de vida.
“É bom demais ver as crianças dançando, brincando e aprendendo, o Jongo não é uma religião é um movimento de ancestralidade. Dia trinta vou preparar um feijão para comemorar meus 98 anos, você e todos do Sambrasil estão convidados. É uma satisfação saber que vou deixar uma rica herança cultural para as novas gerações.”, diz Tia Maria ao jornalista Marcelo Faria , mexendo com a minha emoção.
“É muito bom termos um espaço que possa ser totalmente dedicado ao jongo. Principalmente para mim, é uma satisfação saber que vou deixar uma rica herança cultural para as novas gerações”, afirma Tia Maria.
Ela se lembra da infância espiando por um buraco nas paredes de estuque da casa da mãe enquanto os velhos dançavam no terreiro de noite. Adorava cantar e dançar as músicas com a mãe dentro de casa – mas participar das rodas, nem pensar. No início, havia uma restrição etária intransponível: o jongo era coisa dos velhos. “Velho mesmo, não é jovem adulto não”, ressalta Tia Maria.
Isso começou a mudar na década de 60, quando a morte de velhos jongueiros começou a ameaçar as rodas de jongo. Quebrou-se assim o tabu que impedia as crianças de participar. Na Serrinha, toda criança gosta do jongo, bate o jongo, canta o jongo.
O espetáculo “Tia Maria – Rainha do Jongo” ganhou o edital do Prêmio Funarte de Teatro Tônia Carrero, sendo então laureada com quatro apresentações em arenas, três delas ainda este mês, aqui na cidade do Rio de Janeiro, e uma no município de Rio das Ostras. A peça tem como atriz principal Ana Cê, vivendo a personagem da Tia Maria, com a participação do grupo musical com muitos cânticos e dança do ritmo.
Sobre Tia Maria:
Tia Maria nasceu em 1920, dez anos depois de sua mãe ter migrado de Minas Gerais para o Rio e se estabelecido na Serrinha, na periferia do Rio, que na época era uma área rural. “A minha mãe já veio para o Rio dançando jongo, cantando jongo. Eu digo que já nasci jongueira.”
Maria de Lourdes Mendes é uma das figuras mais famosas do Morro da Serrinha, em Madureira. Conhecida como Tia Maria do Jongo, ela é uma das principais responsáveis por manter vivos e transmitir às novas gerações os ensinamentos do ritmo trazido à cidade no século XIX por escravos bantos e que teve influência na criação do samba. Filha de músicos vindos de Minas Gerais para a favela da Zona Norte carioca, ela cresceu em meio às festas que o pai dava no quintal de casa. “Ele adorava um baile. Já minha mãe sempre cantava jongo para a gente. Já nasci jongueira!”, brinca. Quando criança, porém, ela não podia participar das rodas, já que, por tradição, o jongo deve ser dançado somente por idosos. Ao ver que, por causa dessa restrição, a batucada corria o risco de desaparecer, uma vizinha, Vovó Maria Joana (1902-1986), incumbiu o filho, Mestre Darcy do Jongo (1932-2001), de mantê-la viva. Ele chamou outras jongueiras e surgiu, então, o Jongo da Serrinha. Tia Maria foi uma das fundadoras do grupo e hoje, meio século depois, segue em plena atividade.
Há quinze, o Jongo da Serrinha tornou-se oficialmente uma associação sem fins lucrativos e, desde então, vem atuando em parceria com instituições públicas e privadas para a promoção do ritmo musical, tombado pelo Iphan como patrimônio imaterial em 2005. Em novembro do ano passado, o grupo inaugurou sua sede, em um espaço doado pela prefeitura. Batizado de Casa do Jongo, o local mantém viva a memória dessa tradição africana, além de oferecer uma série de atividades gratuitas — entre elas, aulas de canto, cavaquinho, teoria musical, cultura popular, percussão, artes e horticultura — às crianças de quatro escolas e duas creches da região. Também estão nos planos a implementação de atividades de geração de renda, como a venda de roupas e artigos feitos pelos moradores, e um projeto de economia solidária, arte e educação, que produzirá eventos comunitários como mostras de cinema, festas e semanas de leitura.
“É muito bom termos um espaço que possa ser totalmente dedicado ao jongo. Principalmente para mim, é uma satisfação saber que vou deixar uma rica herança cultural para as novas gerações”, afirma Tia Maria.
Ela se lembra da infância espiando por um buraco nas paredes de estuque da casa da mãe enquanto os velhos dançavam no terreiro de noite. Adorava cantar e dançar as músicas com a mãe dentro de casa – mas participar das rodas, nem pensar. No início, havia uma restrição etária intransponível: o jongo era coisa dos velhos. “Velho mesmo, não é jovem adulto não”, ressalta Tia Maria.
Isso começou a mudar na década de 60, quando a morte de velhos jongueiros começou a ameaçar as rodas de jongo. Quebrou-se assim o tabu que impedia as crianças de participar. Na Serrinha, toda criança gosta do jongo, bate o jongo, canta o jongo.
Rezar para antepassados
Tia Maria não gosta das representações que vê dos tempos da escravidão. Diz que não combinam com os relatos e a vivência de sua família. “Eles botam cada negro feio nos livros. Mentira! Na escravidão tinha cada negro bonito.”
“E também não tinha só negro”, diz. “O senhor levava as moças bonitas para ficar na rede com ele, com os filhos. Quando elas vinham de lá (da casa grande), vinham grávidas. Aquela criança não ia sair negra. Saía morena, bonita, filha deles lá de dentro. Aí criava ali na senzala. Ou, quando viam que a criança era bonita, se achavam que era cara, levavam para vender”, relata.
Ela conta que a avó trabalhava na “casa grande”, e com isso falava um português mais correto que outros membros da família – mas viu barbaridades dentro da casa dos senhores de escravos, em uma fazenda em Minas Gerais.
“Ela falava que tinha criança que a sinhá matava. Às vezes a mãe estava engomando as roupas da sinhá, e a criança gritando dentro da mala, morrendo. A sinhá fechava a mala para a criança morrer sufocada. E a mãe vendo aquilo e não podendo falar nada. Era escrava, né? Se falasse ia para o tronco, ou ia morrer também. Uma maldade.”
“Ela dizia que o senhor gostava, porque o jongo tem aquela umbigada forte”, diz, referindo-se ao “encontro de umbigos” que é um dos movimentos típicos da dança. “O senhor achava que aquela umbigada ia originar mais crianças para ele. Mais escravos.”
A mãe de Tia Maria também foi escrava, até os 8 anos.
“Minha mãe era garota quando eles foram libertos, lembrava muito pouco. Mas ela sempre contava que um dia ela teve que lavar a dentadura do sinhô no rio, e de repente a água levou. Ela disse que nunca nadou tanto quanto naquele dia, desesperada para conseguir a ditadura do sinhô!”, conta Tia Maria, hoje podendo rir da história porque afinal os dentes foram encontrados.
Para Tia Maria, o jongo ensina às crianças o respeito pelos mais velhos e pela história de seus ancestrais.
“O jongo era a dança dos escravos. Sempre que dançamos, rezamos um Pai Nosso, uma Ave Maria, antes de começar. Quando você bate um jongo, o espírito deles está ali. Rezamos para suas almas”, diz.
Sobre o espetáculo:
O espetáculo “Tia Maria – Rainha do Jongo” ganhou o edital do Prêmio Funarte de Teatro Tônia Carrero, sendo então laureada com quatro apresentações em arenas, três delas ainda este mês, aqui na cidade do Rio de Janeiro, e uma no município de Rio das Ostras.
“Tivemos um fim de 2017 e um início de 2018 muito complicado, lá na Casa do Jongo. Desde então não saiu da minha cabeça que Tia Maria é o nosso maior ícone, com uma história incrível e que merecia estar nos palcos. A partir daí, veio a inspiração de escrever o espetáculo Tia Maria, Rainha do Jongo, e assim celebrar sua vida e história neste ano de 2018”, explica Lazir Sinval, atual coordenadora artística do Jongo da Serrinha e sobrinha neta de Tia Maria.
Assim como no Jongo, a construção da peça foi feita com muita união da equipe. O figurino, desenhado por Rui Cortez, diretor de arte do espetáculo, e estampado por Luana Ferreira, é algo a se destacar. Bege, com desenhos de fotos históricas do acervo da Tia Maria em suas barras, as roupas trazem ancestralidade e luz ao mesmo tempo. “Eu agradeço a Deus e a todos pelo que estão fazendo por mim. É uma alegria muito grande as pessoas verem o que eu faço pelo Jongo e principalmente pelas crianças. Meu desejo é que esse trabalho nunca acabe”, fala a mestra maior da Serrinha e única fundadora viva da escola de samba Império Serrano.
As apresentações
Com classificação livre e entrada gratuita, durante este mês de dezembro, elas vão ocupar três arenas da cidade, com início do espetáculo às 19 horas.
Em janeiro de 2019, a peça viaja para Rio das Ostras. Além dos eventos nas areninhas, dia 16/12, às 15h, tem o Projeto Criolice de Portas Abertas, no Parque Madureira – Arena Fernando Torres.
14 /12: Arena Carioca Dicró
- Flora Lôbo, 184 – Penha Circular
26/01: Teatro Popular de Rio das Ostras
Av. Amazonas s/nº, 2º piso, – Centro, Rio das Ostras
Ficha Técnica
*Idealização – Jongo da Serrinha
*Direção de Arte – Rui Cortez
*Direção Musical – Adriano Furtado
*Concepção e Pesquisa De Repertório – Lazir Sinval
*Pesquisa de Texto – Carla Dias (Escola de Belas Artes- Ufrj)
*Design Gráfico e Fotografia – Alcino Giandinoto
*Desenho de Luz – Dani Sanches e Jocacy Araújo
* Coordenador de Produção – Marcelo de Brito
*Visagista – Karen Rodrigues
*Figurino – Rui Cortez
*Produção de Figurino: Bárbara Oyá, Gil Alves, Carolina Aranha E Luana Ferreira
*Registro Fotográfico – Rui Zilnet
*Elenco:
Atriz – Ana Cê
Músicos: Tia Maria do Jongo, Deli Monteiro, Lazir Sinval, Luiza Marmello, Adriano Furtado, Rafael Nogueira, Anderson Vilmar, Dilmar José, Vinícius Bastos e Alan Gonzaga.
Dançarinos: Eliane Torres, Suellen Tavares, Suzana Tavares, Andrea França, Karen Rodrigues, Valéria Barros, Aline Oliveira, Ivo Mendes, Custódio Rodrigues, Marquinhos de Minas, Luiz Paulo, Gerson Leal, Brayon Mattos e Renato Mendonça.
VEJA A GALERIA DE IMAGENS DO ESPETÁCULO: Fotos por Marcelo Faria / Agência Sambrasil