Mussum será o enredo da Lins Imperial e escola apresenta a sinopse para o próximo carnaval

Por Redação
Nós últimos carnavais, a Lins Imperial optou por fazer homenagens a personalidades do samba. Para o próximo carnaval, não será diferente. Com o enredo “Mussum pra sempris – traga o mé que hoje com a Lins vai ter muito samba no pé!”, a escola se propõe a homenagear Antônio Carlos Bernardes Gomes, o eterno Mussum.
Retornando ao Sambódromo, a agremiação aposta num enredo que mexa com o coração e a identidade da comunidade. Mussum, embora tenha levado consigo o nome da Mangueira, nasceu no Morro da Cachoeirinha, uma das comunidades do Complexo do Lins.
A escolha da homenagem a Antônio Carlos começou a ganhar mais força após Raphael Homem e Mateus Pranto, enredistas e diretores culturais da Lins Imperial, comentarem, em uma das lives do “De casa com a Lins”, sobre a importância da comunidade conseguir se identificar com o enredo proposto pela escola. “O retorno à Marquês de Sapucaí também pode significar o reencontro da agremiação com o seu público, sua gente”, explicou Raphael Homem.
Antônio Carlos nasceu na Cachoeirinha e, como tantas outras pessoas, aprendeu a se virar para sobreviver. “Mussum aprendeu a ter muitas faces, dividindo-se em muitas tarefas e as fazendo de forma exemplar”, disse Mateus Pranto.
A ideia é mostrar ao público as muitas facetas do grande artista que foi Antônio Carlos, muitas vezes ofuscado pelo Mussum, o trapalhão. “Será uma boa oportunidade, para quem acompanhou a sua trajetória, de matar a saudade do artista. Para a geração que o conheceu por meme, de aprender sobre a importância do artista para a música, para o cinema e para a televisão”, complementaram os diretores.
O enredo “Mussum pra sempris – traga o mé que hoje com a Lins vai ter muito samba no pé!” será desenvolvido pelos carnavalescos Eduardo Minucci e Rai Menezes.
SINOPSE DO ENREDO – Mussum pra sempris
Traga o mé que hoje com a Lins vai ter muito samba no pé!
Texto-mestre, ou sinopsis
Dizem que, quando o menino, preto retinto, nasceu com cara de quem tem
fome aqui no Morro da Cachoeirinha, veio um anjo atrapalhado, desses que
vivem se escorregando pelo caminho, desengonçado, que disse: Vai, Carlinhos!
Ser estrela na vida! E o garoto foi. Desajeitado, mas foi. Entre cambalhotas,
tropeços e acertos, mas foi. Tudo para ele virava espetáculo. Tanto que ele não
era apenas um. Carlinhos era vários!
E o garoto, muito travesso, debandou com tantas pernas por aí, sempre a se
aventurar. Não parava num canto. Escorregava daqui. Escorregava dali.
Escorregava acolá. Era difícil de segurar Carlinhos! Preto sabido, driblou a
miséria, cortou na mão as dificuldades que a vida lhe impusera. De verdade,
meu cumpadi, não tinha tempo ruim para ele! Até porque sabia tirar proveito de
tudo para viver, por alguns instantes, em céu de brigadeiro! Eita, menino
arteiro!
Um dia, o mé, que bota a gente comovido como o diabo gosta, fez Carlinhos sair
perambulando pelo subúrbio carioca. E no meio do caminho do garoto tinha um
bloco. Tinha um bloco no meio do caminho do garoto. Era o União da
Guanabara, com tanta gente com cara de fome que nem ele, improvisando no
visual e na percussão. Foi ali, rapaziada, que o guri da Cachoeirinha viu no
samba uma possibilidade de ser estrela na vida. Carlinhos, daí em diante,
nunca mais se esqueceria deste dia. Nunquinha! Porque descobriu ser pé de
valsa, cortejando feito mestre-sala. Porque descobriu que também era
mestre-sala na arte da música de se reinventar, levando jeito para tocar, de
forma incomum, um velho reco-reco cavado num gomo de bambu.
É, o moleque era atrevido! Tão atrevido que não demorou pra como
Carlinhos do reco-reco ficar conhecido! Que ironia, né?! Ganhou o apelido
de um instrumento que, em suas mãos, virava ouro, deixando de ser
considerado da ralé! E logo não tardou para ele mesmo fazer seu reco-reco,
com metais, parafusos e mais o que se tinha por perto. Mas a protagonista
da parada era a mola. Ela, igualzinha a ele, ora! Que encolhe, estica, parada
não fica, balança, mas não cai! Ui, ui, ui, papai!
Carlinhos, nessa bagaça, embarcou no bonde do samba e conheceu, pelas
bandas de uma tal Praça, o Clube dos Baianos, onde deixou de ser um
simples frequentador para começar a virar um artista que tira o seu ganha-
pão tocando. A admiração pelo talento de Carlinhos era tanta que fez com
que ele ali mesmo fosse parar num tal de Modernos do Samba, que depois
virou Originais. Neste grupo, meu cumpadi, só tinham os de fé, os geniais!
E o sucesso foi chegando, no sapatinho, como: contando sobre a nêga
Tereza, que deixou de pista um malandro, indo dar uma sambadinha lá no
morro com outro fulano; tirando sarro da cuíca da vizinha Maria, que
adorava um sururu na esquina com o Peru; e entregando que, de tanto glup
glup pra lá, glup glup pra cá, acabou acontecendo uma Tragédia no Fundo
do Mar!
Enfim, o rapaz, danado que só, destaque no grupo, foi ganhando
mansamente os palcos da vida e do mundo, mundo, vasto mundo.
Carlinhos, como um bom batedor de pernas que era, também foi dar um
rolé em Mangueira, pelas vielas da favela! Ele era gente da gente! Gostava
de dar perdido principalmente nas biroscas que tinham no Buraco Quente!
Onde vista assim do alto mais parece um céu no chão, pisou miudinho
sobre folhas secas e até foi parar no quintal de Dona Neuma! Lá, aprendeu
que madeira de dá em doido é jequitibá! A partir de então, do Morro de
Mangueira, não queria mais arredar o pé, não!
O moleque, rapaziada, acabou ainda se apaixonando por uma tal de Primeira
Estação! Carlinhos dizia que era um sentimento tão grande que nem cabe
explicação! Daí, varava as noites na Cerâmica, fazendo amizade com tantos
bambas consagrados. E também não perdia a oportunidade de mostrar na
quadra da Velha Manga que entendia do riscado!
E escola de samba ensina… Ah, como ensina! Deixou na memória de
Carlinhos marcado o Mundo Encantado de Monteiro Lobato e toda poesia e
verdade do Reino das Palavras de Carlos Drummond de Andrade! Como
dizem, torcer para a Mangueira é o a-a-a-ço! Imagina só: Quanto orgulho o
rapaz não tinha de ter participado dos desfiles a esses escritores que deram à
Estação Primeira campeonatos?!
Ah, e sabe quando, mesmo sem querer querendo, você vira de uma família
membro e até apelido acaba tendo? Foi justamente isso que aconteceu com
Carlinhos! Ele ficou todo prosa, pois agora era filho da Manga Rosa! E
embalado pelo som dos tamborins e o rufar do tambor que cortavam a
manhã, percebeu que era Mangueira, sim! Pra hoje, pra sempre e até pra
Amanhã!
E pernas pernas pernas. Nas suas andanças, Carlinhos foi até parar nas telas.
De um jeito atabalhoado, sempre com a cara assustada e os olhos
esbugalhados, caiu nas graças do povo! E ele era realmente muito
engraçado! Todos queriam vê-lo de novo e de novo e de novo! Mas ora, ora,
quem diria! O rapaz que para ator achava que não levava jeito nenhum,
ganhou de Grande Otelo até o apelido de Muçum – peixe escorregadio, difícil
de pegar, que se adapta em qualquer lugar! E se não bastasse de aventuras
isso tudo, com seus ezis e izis, foi parar na Escolinha do Professor Raimundo!
É! Mussum era mesmo palhaço, um insociável, que, mesmo abduzido ao
Planalto dos Macacos, adorava fazer graça, levando toda gente a morrer de
rir, perder o ar de tanto dar gargalhadas!
É, meus cumpadis, Não tinha jeito, não! O circo tava montado! Nas voltas
que o mundo dá, Mussum foi virar um global Trapalhão! E nas poltronas,
de casa, dos cinemas, ou de qualquer outra apresentação, o palhaço era
aclamado, a grande estrela, a atração!
Mas quis a vida pregar uma peça no menino que vivia pregando peça nos
outros. Carlinhos foi se empirulitar. Só que seu sorriso continuou
passeando por aí! Tá em todo lugar! Dando esperança a tantas crianças!
Estampando lembranças! Atravessando o tempo para de novo uma
pindureta armar! Reivindicando o direito de que ser pretis não é absurdo!
Reinventando a arte num mundo caduco!
E segue, meus cumpadis, com seus bordões eternizados, perambulando
por aí, o que um anjo atrapalhado disse ao garoto daqui do Morro da
Cachoeirinha: Vai, Carlinhos! Ser estrela na vida! Vai, Carlinhos! Ser estrela
na vida!
É, Carlinhos é mesmo uma estrela, sim! Pra sempris em nossos
coraçõezis… E fim!
Inserções feitas no texto com trechos de “Poema de sete faces” e “No meio do
caminho”, de Carlos Drummond de Andrade; de “Sei lá, Mangueira”, de Paulinho
da Viola e Hermínio Bello de Carvalho; de “Jequitibá”, de José Ramos e Marcelino
Ramos; “O meu guri”, de Chico Buarque de Hollanda.
Obra consultada
BARRETO, Juliano. Mussum forévis – samba, mé e Trapalhões.
Carnavalescos:Eduardo Minucci e Raí Menezes.
Texto, pesquisa e desenvolvimento: Mateus Pranto e Raphael Homem.