Exclusivo: Sr. Anatólio, O Cidadão Samba – Vitalício
Por Marcelo Faria
Foto por Mariana Barcellos
Um senhor de 85 anos de idade com cerca de 1,60m de altura e 72 anos de SAMBA, com uma trajetória gigantesca, capaz de causar inveja em muitos jovens. Este é o Sr. ANATÓLIO IZIDORO – CIDADÃO SAMBA VITALÍCIO.
O Portal Sambrasil , presta esta singela homenagem a este grande sambista com uma reportagem especial e exclusiva.
O olhar ainda é intenso. Os movimentos sempre elegantes. O corpo desmente a idade. Desse modo, outro mérito permanece: a tranquilidade ao agir diante dos conflitos, disputas, de casos complicados.
Seu lema é fazer amigos e nunca inimigos. O que ele puder resolver sem tumultos, assim será feito. Um ativista da paz!
‘Meu esporte é samba’
Anatólio Izidoro tem 72 anos de samba e começou na Unidos do Capela, que se juntou com a Aprendizes de Lucas para dar origem à Unidos de Lucas.
— Meu esporte é samba. Eu sou tricolor, mas se me perguntarem não sei dizer quem joga no Fluminense — diz Anatólio: — Já passei por muita coisa no carnaval. Mas fico feliz de ver aonde os sambistas chegaram.
O eletricista aposentado da antiga RFFSA( Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima), hoje extinta, ANATÓLIO IZIDORO, 85 anos, atual diretor da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro – grupo de acesso ao especial – vangloria-se assim de ser um homem feliz e realizado no samba.
Foi amigo dos grandes ( Cartola, Geraldo Babão, Natal, Jamelão, entre outros), conhece a escola de ponta a ponta. Afinal, ele, com 13 anos, começou como carregador da gambiarra da antiga escola Capela, em Brás de Pina, e depois chegou à presidência da GRES Unidos de Lucas, da qual foi fundador.
PONTO MÁXIMO DESTA TRAJETÓRIA: Em uma reunião plenária com representantes de mais de 40 escolas que integravam a extinta Associação das Escolas de Samba, com sede, no Méier, em uma solenidade inesquecível, ele recebeu o título de “Cidadão Samba”.
Ou seja, como representante mais original desta modalidade de manifestação estético-popular na cidade do Rio de Janeiro. Ele se orgulha disso, pois, os sambistas deste pedaço são muito autênticos e conhecedores profundos do que significa uma escola na vida da comunidade.
QUEM SOU
“ Eu fui registrado como Anatólio Izidoro. Nasci em 1932, em Brás de Pina, na Rua Suruí, no Rio de Janeiro. Mas também, olha que coisa, fui registrado, em Itaperuna, parece que em 1934. Quer dizer, eu tenho oficialmente dois registros de nascimento. Não sei porque os meus pais fizeram isso. Mas eu sigo o registro de 1932. Então, tenho 85 anos, sou do signo de câncer. Meu pai era montador de chaminés. Ele se chamava Domingos Lanes. E minha mãe era doméstica, chamada Maria Francisca da Silva. Deste relacionamento, hoje, só tenho dois irmãos, o Adilson, 68 anos, que mora em Brás de Pina, e Marilda Lanes, de 73 anos, que é jornalista. Eu, por exemplo, fui casado 57 anos com a mesma mulher, já falecida. Não quero falar sobre filhos, pois, tenho problemas nessa área. Então, pode passar essa parte, pode virar a folha do livro, digamos assim”.
MORADIA
“Eu morei em diversos bairros suburbanos do Rio de Janeiro. Isso me deu uma experiência muita ampla. Em Parada de Lucas, conhecei as escolas Aprendizes de Lucas e Capela. Há 40 anos, então, fundamos, com outros abnegados, a Unidos de Lucas. Acho que foi em 1966. Ela resultou da fusão da Aprendizes e Capela. Digamos que foi um cofundador. Eu não gosto muito de me apresentar como: eu sou o tal. Isso não faz parte da minha personalidade, apesar ter algumas coisas pioneiras nesta história”.
COMO ENTREI
Eu tinha, na época, 13 anos, era um moleque, só que muito antenado, aceso, olhando firme para o mundo. Então, eu tinha conhecido que morava próximo da escola Capela. Eu pedi a ele para assistir um ensaio. Tinha 13 anos ou 14 anos, no máximo. Então, a partir dali, comecei a frequentar o mundo do samba. Me transformei logo no carregador de gambiarra da escola. Nela, eu e o saudoso Cuba, meu parceiro, fundamos a Ala do Flecha. Depois, passei por vários setores da escola. Fui da bateria, diretor e depois presidente. Nesse tempo, quis ser um dirigente mais aberto. Eu não gosto de me meter em políticas pesadas, isso gera inimizades, inimigos, disputas violentas. Aqui, na Associação, durante décadas, recebi a atenção de todos os presidentes da casa, me sinto bem com isso”.
SAÚDE
“Olha, a natureza e Deus me deram esse benefício, de estar bem aos 80 anos. Eu sou um homem muito regrado. Eu não bebo e não fumo. Minha boêmia não fui nos bares, bebendo todas, rolando madrugada a dentro. Foi curtindo as escolas. Eu não condeno ninguém que foi ou é boêmio. Mas a minha é outra. Minha boêmia foi dentro do samba. Talvez minha saúde tenha a ver com minha hereditariedade. Meu avó paterno morreu com 106 e minha avó com 102.”
INFÂNCIA
“Desde jovem, sempre fui uma pessoa diferente, curiosa, querendo conhecer a rua. Em algumas ocasiões, sai de casa, dormia fora, e não queria retornar para casa, pois, sabia que ia pegar uma boa surra de meus pais. Para fugir dela, vivia na rua, e só retornava uns três meses depois. O fato de viver na rua nos deu uma grande experiência, a gente amadurece rápido. Nunca mexi em nada de ninguém, nunca meti as mãos naquilo que não era meu. Acho só o próprio tempo faz a gente se modificar, amadurecer. Me sinto orgulhoso de minha trajetória na vida”.
ESCOLA
“ É verdade que as escolas mudaram e hoje são estruturas grandes, que assustam pelo gigantismo e relações com o poder público e as empresas. Eu gosto assim. Não tenho nenhuma crítica. Quando eu comecei, samba era coisa de malandro, marginal, bandido…agora é uma coisa fina, todos querem sair na escola de samba. Então, me sinto orgulhoso de ter durante 67 anos lutado para que uma coisa marginal se tornasse respeitável como é hoje. Você tinha que ver como éramos discriminados, sofríamos preconceitos…éramos malvistos como sambistas, mas a gente não mudava. Trazíamos a escola no coração”.
CARNAVAL
“Fui o presidente da antiga escola Capela. E também da Unidos de Lucas, na gestão de 1972 a 1976. Então, hoje eu sou pouco crítico em relação à administração das escolas. Eu sei o que isso, ou seja, botar o carnaval na rua. Surgem muitos problemas na última hora, você esquenta sua camisa antes do desfile…trata-se de um corre-corre para botar a escola na avenida. Mas o que é bom é que sempre surge uma coisinha de última hora no mundo do samba, uma novidade…”
REPERCUSSÃO
“ O samba, de marginalizado, se impôs. Então, tem essa repercussão toda, os outros países querem nos imitar, criar também escolas de samba. Eu, que comecei muito cedo, no tempo da discriminação, sei como é bom isso, essa repercussão. Samba é a glória de nosso país”
PRIMEIRO LP
“ Acho que o primeiro LP com sambas –enredo das escolas foi gravado entre o final dos anos 1960 e inicio dos anos 1970…não sei precisar a época certa. Mas me lembro do nome. Era assim: “ Sambas-Enredo e Sambas de Quadra”. Foi o pioneiro, ou seja, o samba das escolas passou ser um produto divulgado para o consumo do grande público. Antes, as pessoas só conheciam os sambas-enredo frequentando a quadra das escolas. Agora, não, podia comprar nas lojas. Participaram como intérpretes dele eu, Geraldo Babão, Zagaia, Preto Rico, Xangô da Mangueira, Genaro da Bahia…entre outros. Foi inesquecível este disco”.
PORTO DAS CAIXAS
“Eu respeito todas as religiões. Mas sou católico. Eu acredito em milagres. Há 48 anos, eu sofria uma dor forte nas costas. Era terrível, ela me perturbava muito. Então, me aconselharam a ir a Porto das Caixas, perto de Itaboraí, que tinha uma igreja onde os devotos agradeciam pelos milagres recebidos. Eu fui. Entrei na igreja. Fiquei um tempo. Quando sai, levei um tombo. Vim desabando pela escadaria. Depois desse tombo, a dor despareceu. Nunca mais tive dor”.
RACISMO
“Eu me tornei amigo do escritor Orígenes Lessa, já falecido, aquele do romance O Feijão e o Sonho, que virou novela da TV Globo. Ele e a mulher me convidaram para frequentar seu apartamento, na Rua Gustavo Sampaio, no Leme. Não me lembro o ano. Fui. Quando cheguei na portaria do prédio, e disse que ia na casa do escritor, o porteiro me apontou um elevador. Era o de serviço. Eu estranhei. Mas subi. Lessa e a mulher quando me viram chegando pelo elevador de serviço, pediram que descesse e aguardasse eles na portaria. Fiz isso. Desci. Daqui a pouco, chega o escritor e passa o maior sabão no porteiro. Lessa diz que eu era seu convidado e que não deveria nunca subir pelo elevador de serviço. O porteiro ficou de queixo caído, sem ação. A partir dali, eu passei a prestar atenção nisso…como nossa cor incomoda muita gente”.