Exclusivo: Oito décadas de Martinho da Vila, felizes somos nós sambistas!
Por Marcelo Faria
Foto por Marcelo Faria
Imaginem vocês que para um jovem senhor como eu, prestes a completar cinco décadas de vida, ouvinte da boa música e fã incondicional do bom samba e dos grandes mestres que fizeram este gênero brasileiro, tornar-se o maior patrimônio cultura do Brasil, com suas dez décadas de criação. Aí me torno jornalista especializado em samba e passo a conviver com tais mestres, entre eles Martinho da Vila. Bem, posso dizer que sou um homem de sorte, extremamente realizado e feliz, em poder levar por meio do Portal Sambrasil – www.sambrasil.net um pouco do que cada grande sambista representa para a cultura brasileira.
Neste momento de comemoração pelos oitenta anos do mestre Martinho da Vila, levo à grande audiência do Portal Sambrasil, um pouco desta representativa. Faço questão de abrir este breve histórico com um disco antológico, entre muitos outros de Martinho da Vila, justamente pelo nome do LP, ORIGENS – 1973.
Clique na capa do LP e ouça do disco:
Martinho José Ferreira nasceu em Duas Barras, Rio de Janeiro, em 12 de fevereiro de 1938. Filho de Tereza de Jesus e Josué Ferreira, lavradores da Fazenda do Cedro Grande, veio para o Rio de Janeiro com apenas quatro anos. Quando se tornou conhecido, voltou à sua cidade natal para ser homenageado pela prefeitura. Descobriu que a casa em que nasceu estava à venda e não hesitou em comprá-la. Hoje a propriedade não mais lhe pertence. Doou a Fazenda Cedro Grande para o ICMV (Instituto Cultural Martinho da Vila).
Cidadão carioca criado na Serra dos Pretos Forros (Boca do Mato – Lins de Vasconcelos), sua primeira profissão foi a de Auxiliar de Químico Industrial, com diploma adquirido em curso intensivo do SENAI, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
Arrimo de família, alistou-se no Exército como voluntário no Segundo Batalhão de Carros de Combate, destinado ao LQFE (Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército), onde pretendia ser funcionário público, mas decidiu-se pela carreira militar. Foi cabo, sargento e cursou a Escola de Instrução Especializada, onde se formou em contabilidade. Exerceu funções burocráticas na DGEC (Diretoria Geral de Engenharia e Comunicações) como escrevente-contador e pediu baixa para se tornar cantor profissional.
O artista surgiu para o grande público no III Festival de MPB da TV Record, em 1967, quando apresentou o partido-alto Menina Moça e no ano seguinte, na quarta edição do mesmo festival, lançou o clássico Casa de Bamba, seu primeiro sucesso, seguido de O Pequeno Burguês.
Em 1969 gravou o LP intitulado Martinho da Vila, que atingiu o primeiro lugar na parada musical em execução radiofônica e foi recordista em vendagem naquele ano.
Clique na capa do LP e ouça o disco:
Pai de 8 filhos – Martinho Antônio, Analimar, Mart’nália, Juliana, Tunico, Maíra, Preto e Alegria – Martinho conservou o estado civil de solteiro até conhecer Cléo, no final da década de oitenta. Para compensar , em maio de 1993, casou-se duas vezes com Clediomar Corrêa Liscano, a Cléo que virou Ferreira, no civil no dia 13 e no religioso no dia 31. E foi o próprio Martinho quem manuscreveu o convite aos amigos. Cléo é mãe de seus dois filhos mais novos.
Logo se tornou um artista conceituado e ganhou muitos prêmios pela qualidade do conjunto da obra, além de ter sido um dos maiores vendedores de disco no Brasil. Em 1995, com o CD Tá delícia, Tá gostoso, consagrou-se como o primeiro sambista a ultrapassar a marca de um milhão de cópias vendidas em tempo recorde.
Ativista cultural, foi membro do Conselho Estadual de Cultura e da Comissão de Apoio à Cultura, do MInC.
Foi responsável pelo projeto O Canto Livre de Angola que, em 1982, trouxe os primeiro artistas africanos ao Brasil. Liderou também o Grupo Kizomba, promotor do pioneiro “Encontros Internacionais de Artes Negra”.
Recebeu o título honorário de Embaixador Cultural de Angola e Embaixador da Boa Vontade da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa), por ser um incentivador das relações lingüísticas do português e divulgador da lusofonia.
No Brasil foi agraciado com a Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura e recebeu as comendas mineiras Tiradentes e JK. É Comendador da República da Ordem do Barão do Rio Branco, em grau de Oficial.
Sua vida de compositor começou na extinta Escola de Samba Aprendizes da Boca do Mato.
Ingressou e passou a dedicar-se de corpo e alma à Escola do Bairro de Noel em 1965 e a história da Unidos de Vila Isabel se confunde com a de Martinho que passou a ser chamado o Da Vila. Nunca exerceu oficialmente a presidência administrativa da escola, mas por várias vezes esteve à frente da agremiação da qual é o Presidente de Honra, com busto de bronze na entrada da quadra de ensaios e eventos.
Os sambas de enredo mais consagrados da escola são de sua autoria, dentre os quais Iaá do Cais Dourado, Sonho de Um Sonho, Raíses (Antológico samba-enredo sem rimas ). Também criou vários temas para desfiles, dentre os quais Kizomba, a Festa da Raça que está entre os mais memoráveis da história dos carnavais e garantiu para a Vila, em 1988, seu consagrado título de Campeã do Centenário da Abolição da Escravatura. Também colaborou na criação de outros temas, entre os quais o Soy Loco Por Ti América, que deu a Vila o título máximo do carnaval de 2006 e é co-autor do enredo e também do samba-enredo A Vila Canta o Brasil, Celeiro do Mundo, campeão de 2013.
Também 2013, Martinho ao completar 75 anos, teve a edição do projeto Sambabook Martinho da Vila em sua homenagem.
Nacionalmente conhecido como sambista, Martinho da Vila é um legítimo representante da MPB, com várias composições gravadas por cantores e cantoras de diversas vertentes musicais, intérpretes consagrados no Brasil.
Artistas de renome internacional como Nana Mouskouri (Grécia), Ornella Vanoni (Itália), Kátia Guerreiro (Portugal), Rosário Flores e Julio Iglesias (Espanha) e de outras nacionalidades já colocaram voz em suas criações. Como intérprete é considerado por muito críticos como o melhor cantor do Brasil, por interpretar músicas dos mais variados ritmos.
Embora seja músico, cantor e compositor indutivo, tem uma vasta cultura musical, com grande ligação com a música erudita. Participou do projeto sinfônico Clássicos do Samba sob a regência do saudoso Maestro Sílvio Barbato, apresentou-se com diversas orquestras sinfônicas, bem como com a Campesina de Friburgo, conceituada banda sinfônica e com a Orfeônica da Dinamarca.
Idealizou, em parceria com o Maestro Leonardo Bruno, o Concerto Negro, espetáculo sinfônico que enfoca a participação do negro na música erudita.
É escritor de livros infantis, infant-juvenil, biografias e romances. É membro efetivo da Academia Carioca de Letras, do PEN CLUB e da Divine Académie Française des Arts, Letres e Culture.
Durante os anos de sua magnífica carreira, Martinho lançou diversos livros, entre eles; “Vamos Brincar de política?” (Editora Global, 1986) – Infanto-juvenil, “Kizombas, andanças e festanças” (Léo Christiano Editorial, 1992 / Editora Record, 1998) – Auto Biográfico, “Fantasias, Crenças e Crendices” (Ciência Moderna Editora, 2011) – Literatura Musical, “O Nascimento do Samba” (ZFM, 2013) – Literatura Musical.
Em 2017, Martinho lança seu primeiro livro de crônicas, Conversas Cariocas.
SINOPSE: Em crônicas de fácil envolvimento e vibração intensa, que abarcam as permanências e as mudanças políticas, econômicas, sociais e principalmente culturais ocorridas no Brasil, Martinho estabelece uma relação de intimidade com o leitor, em conversas em que a subjetividade traduz os acontecimentos para além dos fatos jornalísticos, presenteando-nos com textos leves e descontraídos, escritos a partir de vivências em diferentes territórios, seja o tradicionalmente frequentado pelos bons cronistas: a rua, seja em espaços do seu universo mais pessoal, como escolas de samba, outras manifestações culturais, as viagens pelo mundo e seu refúgio em Duas Barras, cidade do interior do Rio de Janeiro. Estão expressas neste livro as reflexões sobre o amor, a fé, a paternidade, a música e até o cenário político brasileiro dos momentos que antecederam os jogos olímpicos. Tudo com um olhar que diante de toda a complexidade da vida, procura lançar luz sobre os aspectos que nos levam ao fortalecimento das relações entre as pessoas.
Em novembro de 2017, recebeu título de Doutor Honoris Causa, a solenidade aconteceu na Faculdade de Letras, da UFRJ, na Ilha do Fundão, com a presença de acadêmicos, músicos e autoridades políticas. A professora Carmem Tindó ressaltou que a atuação do artista “na luta contra o racismo, a opressão, a fome e a pobreza” foram fatores considerados para a concessão do título.
Em 2018, o mestre Martinho da Vila, veio a frente da sua escola do coração.