Dona Ivone Lara: álbum Samba, minha verdade, Samba minha raiz, 1978

Por Marcelo Faria
O Portal Sambrasil trás mais uma dica imprescindível para os amantes do samba de qualidade, com pouco mais de 40 anos do seu lançamento o álbum que indicamos é um clássico, devido a sua importância histórica no contexto da revitalização do samba na voz feminina da nossa eterna rainha, Dona Ivone Lara. Ouça a nossa playlist lendo a matéria especial para a coluna Discografia.
Em 1974, Oscar Costa dizia aos amigos, resignado: “Depois de velha, agora minha mulher é artista”. Filho do fundador da escola de samba Prazer da Serrinha, Alfredo Costa, Oscar se casou com Yvonne (assim mesmo, com Y) Lara em 1947 e, mesmo sabendo do fascínio da esposa por música, mais precisamente pelo samba, ciumento, ele nunca aceitou com bons olhos a presença dela naquele ambiente dominado por homens e pela boemia. Ao deixar escapar tal frase, carregada de conformismo, Oscar se referia à segunda participação de Yvonne em um disco, Quem Samba Fica? Fica (Odeon, 1974), produzido por Adelzon Alves.
Muito antes da estreia fonográfica, que se deu em 1970, Yvonne, nascida em 1922, já havia composto a sua primeira canção, “Tiê” (em parceria com os primos Hélio e Antônio dos Santos, conhecido como Mestre Fuleiro), aos 12 anos, e frequentado a Prazer da Serrinha e, posteriormente, desde 1947, o Império Serrano, agremiação pela qual ela escreveu o seu nome na história ao ser a primeira mulher a integrar a ala de compositores de uma escola e também a primeira figura feminina a ter um samba-enredo de sua autoria (“Os Cinco Bailes da História do Rio”, em parceria com Silas de Oliveira e Antônio Bacalhau) levado para a avenida na elite do Carnaval carioca, em 1965.
Mas apenas em 1978 é que ela, já com o nome artístico Dona Ivone Lara, lançou o seu primeiro disco solo e passou a se dedicar exclusivamente à carreira artística. Os motivos de tamanha espera? O primeiro era o ciúme do marido, Oscar. O segundo, digamos, muito mais nobre, estava ligado à outra vocação de Ivone, que, durante 37 anos, trabalhou como assistente social especializada em terapia ocupacional, cuidando de doentes mentais.
Após a morte de Oscar e a aposentadoria do serviço público, a artista lançou, em 1978, Samba, Minha Verdade, Samba, Minha Raiz, o seu elogiado álbum de estreia, produzido novamente por Adelzon Alves. O LP, um dos melhores de toda a carreira da compositora (se não o melhor), trazia a expressividade do canto de Ivone em 12 faixas, sendo duas de autoria só dela, seis com o seu parceiro mais constante, Delcio Carvalho, e outras quatro de compositores ligados ao universo das escolas de samba: “O Império Tocou Reunir”, de Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola, e “Prazer da Serrinha”, de Hélio dos Santos e Rubens da Silva, ambas sobre as duas agremiações de coração de Ivone; e “Chegou Quem Faltava”, de Nilson Gonçalves, e “Quando a Maré”, de Antonio Caetano, as duas com participação de Seu Alcides (conhecido como Malandro Histórico da Portela).
Faixa a faixa
Minha Verdade (Yvonne Lara/Delcio Carvalho): versos primorosos de Delcio e a melodia sinuosa e inconfundível de Ivone.
Com Ele É Assim (Yvonne Lara): típico samba de terreiro com letra e música de Ivone e um coro afinado.
O Império Tocou Reunir (Silas de Oliveira/Mano Décio da Viola): samba de terreiro feito pela dupla Pelé e Coutinho do samba-enredo imperiano.
Espelho da Vida (Yvonne Lara/Delcio Carvalho): belo samba da dupla Ivone-Delcio, com destaque para o violão de Darly Louzada.
Chegou Quem Faltava (Nilson Gonçalves): aula de samba por Seu Alcides (Malandro Histórico da Portela), com o “molho” da ala de repiniques da escola de Oswaldo Cruz.
Em Cada Canto uma Esperança (Yvonne Lara/Delcio Carvalho): clássico atemporal do repertório da dupla, com solfejo característico de Ivone na introdução.
Samba, Minha Raiz (Yvonne Lara/Delcio Carvalho): métrica e divisão de versos interessantes e inusitada.
Andei para Curimá (Yvonne Lara): letra e música apenas de Ivone, que evidenciam a veia de partideira da compositora.
Quando a Maré (Antonio Caetano): um dos duetos mais belos da história do samba, com o casamento das vozes de Ivone e Seu Alcides (Malandro Histórico da Portela).
Nas Sombras da Vida (Yvonne Lara/Delcio Carvalho): lindo samba dolente de Ivone e Delcio, injustamente ofuscado por outros sucessos da dupla.
Prazer da Serrinha (Hélio dos Santos/Rubens da Silva): composição do conhecido Tio Hélio, o samba se tornou um hino para a escola de Madureira.
Aprendi a Sofrer (Yvonne Lara/Delcio Carvalho): samba com a clássica temática da “dor de amor” e uma composição com a assinatura elegante de Ivone e Delcio.
Ficha técnica:
Produtor fonográfico: EMI Odeon
Direção artística: Milton Miranda
Direção de produção: Renato Corrêa
Produção executiva: Adelzon Alves
Orquestrações e regências: Luiz Roberto e Nelsinho
Técnicos de gravação: Dacy, Roberto, Toninho
Técnicos de remixagem: Nivaldo Duarte
Corte: Osmar Furtado
Lay out: Lobianco
Fotos: Ricardo de Vicq
Compartilhamento: Lucas Nobile é jornalista e autor da discobiografia Dona Ivone Lara, feita para o Sambabook.