DIOGO NOGUEIRA LANÇA O ÁLBUM “MUNDUÊ”, SEU PRIMEIRO PROJETO INTEIRAMENTE AUTORAL
Por Redação
VIDA QUE SEGUE…
Com este disco do Diogo Nogueira, o Samba recebe uma injeção de sangue novo.
MUNDUÊ… Vocábulo não dicionarizado, é título do álbum e nome de um samba que dá água na boca, criado em parceria com Bruno Barreto e Hamilton de Holanda.
Ê munduê!… Expressão indefinida que remete à ancestralidade negra, híbrida como o Diogo, que se apresenta por inteiro dez anos após o seu primeiro álbum.
Este é o quinto disco de estúdio, mas, na essência, é o seu primeiro de puro samba, cem por cento autoral com novas parcerias e completamente inédito.
Dona Ivone Lara deve estar feliz por ter contribuído com seu talento de compositora e o Wilson das Neves deve estar rindo lá em cima com o Império Serrano sendo homenageado junto com a Portela.
Candeia, em um plano mais alto, creio que aplaudiria como o Monarco, de pés na terra.
Eu, cá na Vila, bato palmas e digo: vá em frente menino!
Agora, se alguém perguntar quem é o Diogo, não preciso responder que é o filho do João Nogueira. Afirmo com segurança: É um belo cantor, com personalidade própria. Um artista verdadeiro. Um elo na corrente da perpetuação do samba.
MARTINHO DA VILA
Assim se passaram dez anos… E Diogo Nogueira deixou de ser uma promessa para se tornar um de nossos maiores sambistas. Honrou seu DNA, herdado de uma das figuras mais queridas e emblemáticas do samba, João Nogueira, e prosseguiu numa militância diferente. Se o pai era intelectual e ativista, criando até o Clube do Samba num momento de invasão de músicas gringas nas rádios (os anos 70), Diogo tem feito agora a sua parte. Levou adiante o bastão do gênero sempre buscando se integrar aos novos, sem abandonar a velha guarda ou ceder aos modismos puramente comerciais.
Inicialmente, promoveu alguns sucessos que conheceu no berço. A seguir, chamou a atenção de Chico Buarque, que lhe deu uma canção inédita (“Sou eu”), gravou um DVD de clássicos do samba numa viagem a Cuba, promoveu encontros de gerações em seu programa da TV Brasil (“Samba na Gamboa”), protagonizou um musical elogiado e emocionante sobre o centenário do samba (“Sambra”), fez uma tabelinha com o bandolinista Hamilton de Holanda que resultou no aclamado disco “Bossa negra”, no meio disso tudo conquistou dois prêmios Grammy, e agora chega ao final de sua primeira década de carreira comemorando de maneira inesperada: com um álbum inteiramente autoral, “Munduê”.
Mas isso não é nenhuma ‘forçação’ de barra. Para quem não sabe, Diogo já emplacou quatro sambas-enredo na sua escola, a Portela, em carnavais consecutivos, sempre consagrados com notas dez dos jurados. E já havia gravado algumas canções autorais desde o primeiro trabalho. Agora, porém, sentiu que era o momento de radicalizar e criar um álbum completo dedicado às suas próprias composições, quase todas, sambas. O clima é de antiestresse. Diogo encarna um padrão de novo homem no samba. Sem o machismo de antes, aquele que quer somar com a mulher amada e reconquistá-la, se for o caso, sem para isso achincalhá-la. E nessa linha positiva, quer também melhorar o país e o mundo com seu som, incluindo mensagens para energizar nosso espírito em tempos tão tenebrosos.
O repertório
Ouça no DEEZER: http://www.deezer.com/br/album/51915862
O disco abre com a faixa-título, MUNDUÊ (Diogo/ Bruno Barreto/ Hamilton de Holanda), uma das melhores do álbum, com uma sonoridade latina universal no arranjo, bisando a parceria luxuosa com o bandolim de Hamilton de Holanda. Em seguida, vem CORAGEM (Diogo/ Fred Camacho/ Leandro FAB), que será a primeira faixa de trabalho, um samba para dar um levante no brasileiro em meio à situação atual caótica do país: “Pra que chorar, melhor sorrir/ Perseverar, não desistir / E ter um pouquinho só de malandragem”. Na sequência, ME CHAMA (Diogo/ Alessandro Cardoso/ Rafael dos Anjos) é um animado partido alto que celebra um bom encontro de bambas.
Em IMPÉRIO E PORTELA (Dona Ivone Lara/ Diogo/ Bruno Castro/ Ciraninho) ele une vozes com Arlindinho a fim de evocar as duas tradicionais agremiações cariocas, rememorando sambistas legendários de ambas as escolas, além das cores e fatos pitorescos de suas histórias, numa homenagem que ficou ainda mais interessante interpretada pela dupla, visto que ambos são filhos de bambas famosos e também vitoriosos nas disputas de sambas de enredo dos últimos carnavais nas respectivas escolas. Isto sem contar com a honra de ter A lenda viva do samba e do Império Serrano, Dona Ivone Lara, em uma parceria a oito mãos.
DANÇA DO TEMPO (Diogo/ Inácio Rios/ Mosquito) é outro um samba otimista para os nossos tempos sombrios: “Vejo a esperança no horizonte em fina flor/ Suplantando o mal, curando a dor”, assim como TEMPOS DIFÍCEIS (Diogo/ Leandro Fregonesi), um samba mais político, mas não partidário, que diz “Tempos sombrios pra quem busca igualdade/ Pois não há felicidade se na mesa falta o pão”. A letra discorre ainda sobre a dor da escravidão moderna, época inglória para quem sonha com justiça e dignidade, bradando: “O meu cantar é pra acabar com a tirania, guerrear pela alegria porque é minha missão”, quase uma atualização do célebre “Minha missão”, de João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro. A propósito, há um outro samba que aprofunda esta “missão”, ANDEI LÁ (Diogo/ Inácio Rios/ Raul di Caprio), este sim literalmente inspirado num de seu pai, “Esse meu cantar”.
Há ainda sambas românticos que discutem a relação de um casal, sempre buscando uma solução sensata na base da superação, como EM NOME DO AMOR (Diogo/ Fred Camacho/ Leandro FAB), NO PÉ QUE ESTÁ (Diogo/ Inácio Rios/ Felippe Donguinha) ENREDOS IDEAIS (Diogo/ Inácio Rios/ Raphael Richaid) e A CADA DIA (Diogo/ Rodrigo Leite/ Rodrigo Lopez). Já o clássico tema da volta arrependida ao velho lar está devidamente atualizado em PAIXÃO EMOLDURADA (Diogo, Inácio Rios/ Raphael Richaid), este um autêntico samba de quadra.
Diogo ainda se arrisca num suingado coco nordestino, MERCADO POPULAR (Diogo/ Leandro Fregonesi), em azeitado dueto com a cantora e sanfoneira Lucy Alves, e dialoga com a ala mais jovem de seu fã-clube num medley com as contemporâneas MAIOR TERAPIA e ELA QUER BEIJO NA BOCA (as duas de Diogo/ Fred Camacho/ Leandro FAB), sendo que a primeira é emblemática, numa crônica sobre os novos casais, de vida mais independente e dividindo as tarefas domésticas.
Cozinha instrumental e projeto gráfico
Diogo está acompanhado de músicos de várias gerações em seu novo álbum, a começar pelos arranjadores, entre os jovens Alessandro Cardozo (cavaquinista) e Rafael dos Anjos (violonista) – ambos produtores do disco – e os veteraníssimos Ivan Paulo e Gilson Peranzzetta. O cantor dedica o CD ao saudoso Wilson das Neves, que participaria da faixa IMPÉRIO E PORTELA, mas acabou não tendo tempo de gravá-la, e segue por um caminho mais conceitual no projeto gráfico para posar com crianças da comunidade quilombola São José da Serra, o mais antigo do Estado do Rio, devidamente caracterizado como que fazendo parte dela.
“Munduê” traz um pouco de humanidade e delicadeza a um mundo histérico, de pouco entendimento e viciado em fórmulas gastas do entretenimento. “Como o grito de um tambor” ancestral.
Por Rodrigo Faour
Novembro de 2017
(Rodrigo Faour é jornalista, produtor musical e historiador de música popular brasileira)