Cais do Valongo no Rio de Janeiro, é eleito Patrimônio Mundial da Unesco
Por Redação
Fotos por Julia Fernandes – Agência Sambrasil Comunicações
O Sítio Arqueológico Cais do Valongo, localizado na zona portuária do Rio de Janeiro, ganhou neste domingo o título de Patrimônio Mundial da UNESCO. O lugar foi o principal porto de entrada de escravos africanos no Brasil e representa a exploração e o sofrimento das pessoas que foram trazidas à força ao país até meados do século XIX. O título joga luz sobre um passado de escravidão que deixou como herança uma profunda desigualdade social entre brancos e negros e um racismo estrutural nem sempre reconhecido.
“O Cais do Valongo é um local de memória, que remete a um dos mais graves crimes perpetrados contra a humanidade, a escravidão. Por ser o porto de desembarque dos africanos em solo americano, o Cais do Valongo representa simbolicamente a escravidão e evoca memórias dolorosas com as quais muitos brasileiros afrodescendentes podem se relacionar”, disse em nota o Itamaraty, que expressou a “satisfação” do Governo brasileiro com a notícia. A atual secretária de Cultura do Rio, Nilcemar Nogueira, escreveu em seu Facebook que o título é “uma etapa essencial para o reconhecimento de uma memória que precisa ser revelada e, principalmente, reparada”. Para Nogueira, que forma parte da delegação brasileira que viajou até a Polônia para defender a nomeação, “este momento marca o início de uma nova fase em relação ao reconhecimento de uma história que, por muitas décadas, esteve nos subterrâneos do que oficialmente conhecemos do nosso país”.
O grande responsável por este título chama-se Eduardo Paes, ex-prefeito do Rio de Janeiro e verdadeiro carioca em sua essência e defensor das raízes culturais do nosso Rio. Em sua rede social publicou:
“@eduradopaes: Que orgulho! Valongo é Patrimônio da Humanidade!!!! Me lembro como se fosse hoje o dia em que visitava as obras do Porto Maravilha e ao passar pela Barão de Tefé fui alertado pela arqueóloga que lá trabalhava que os indícios de termos encontrado o cais do Valongo eram muito fortes. Que a história da Diáspora Negra seja sempre lembrada. Que as origens de nosso país, de nossa formação e de nossa cultura possam ficar marcadas. Que a violência dos homens possa ser sempre recordada para que não se repita. Que as injustiças, as desigualdades e os preconceitos – ainda tão presentes em nossa sociedade – possam ser superadas! Viva o Rio! #tomorrendodesaudades #cidademaravilhosa em tempo: parabéns ao grande @washfajardo que o tempo todo nos “patrulhou” na busca da preservação de nosso patrimônio! Em tempo 2: parabéns também ao nosso time na secretaria de obras e da Cdurp que materializaram tantos sonhos. Parabéns ao @laudemar_ghana que com o time da Coordenadoria de relações internacionais foi atrás desse título!”.
O Cais do Valongo foi encontrado em 2011 durante as escavações feitas para a reforma da zona portuária. Segundo o antropólogo Milton Duran, suas ruínas são os únicos vestígios materiais da chegada dos africanos no país. O acadêmico foi um dos coordenadores da candidatura, que envolveu a Prefeitura do Rio e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e foi apresentada no final de 2015 – o Brasil detém o título para outros 20 locais, entre eles Brasília e Ouro Preto. “Esse Sítio Arqueológico é único pois representa os milhões de africanos que foram escravizados e que trabalharam para construir o Brasil como uma nação, gerando a maior população de negros fora da África no mundo”, disse Kátia Bogéa, presidenta do IPHAN. O Executivo municipal prometeu uma comemoração no local nesta segunda-feira, a partir das 16h.
Ao ser nomeado patrimônio mundial, o Cais do Valongo foi colocado no mesmo patamar que outros lugares reconhecidos pela UNESCO como locais de memória e sofrimento, como um memorial em Hiroshima, no Japão, e o Campo de Concentração de Auschwitz, na Polônia. A nomeação exige que as autoridades brasileiras assumam determinadas responsabilidades. “A UNESCO recomenda que o Brasil adote ações especificas para a gestão dos vestígios arqueológicos, para a execução de projetos paisagísticos e para que os visitantes possam ter uma visão holística sobre o Cais do Valongo e o que ele representa”, reconheceu o Itamaraty. “Tais medidas, que contribuirão para a preservação deste importante patrimônio cultural brasileiro, deverão ser implementadas pelos governos federal, estadual e municipal, em coordenação com a sociedade civil e as comunidades envolvidas”.
Pequena África
Construído no final do século XVIII, o Cais do Valongo está localizado na região conhecida como Pequena África, que fica na zona portuária do Rio, no centro da cidade. Além de ter sido porta de entrada de milhões de africanos no Brasil, a região portuária foi também o ponto de encontro da comunidade negra na então capital. Com as leis assinadas em meados do século XIX que proibiam o tráfico de pessoas e a abolição da escravidão, referendada em 1889, milhares de negros, muitos vindos de outras partes do país, se instalaram na região, em bairros como Gamboa e Saúde, e se espalharam pelos seus arredores. Foi nessa mesma área central da cidade que o samba foi sendo lapidado até se transformar no gênero musical conhecido hoje, segundo historiadores.
O cais foi soterrado por uma reforma urbana do início do século XX, assim como boa parte da história da comunidade negra no centro do Rio ao longo do tempo. Foi finalmente redescoberto durante as obras no porto levadas a cabo nos últimos anos. Com a construção do Museu do Amanhã no píer Mauá, muitos cobraram que a Prefeitura aproveitasse a reforma da região para também resgatar e valorizar a história dos negros que por ali passaram. Em junho deste ano, a Agência Pública lançou o aplicativo Museu do Ontem com o objetivo de revisitar este passado. Sob a gestão de Marcelo Crivella, o Executivo começou a debater neste ano a construção de um museu da escravidão em local próximo ao Valongo.