Acadêmicos de Vigário Geral lança enredo e sinopse para o próximo carnaval
Por Redação
Enredo: PEQUENA ÁFRICA – DA ESCRAVIDÃO AO PERTENCIMENTO – CAMADAS DE MEMÓRIAS ENTRE O MAR E O MORRO
SINOPSE:
PEQUENA ÁFRICA – DA ESCRAVIDÃO AO PERTENCIMENTO – CAMADAS DE MEMÓRIAS ENTRE O MAR E O MORRO
“O Rio de Janeiro, como a exemplo da maioria das grandes metrópoles, desenvolveu-
se a partir do porto. Porta de entrada da cidade, a Zona Portuária desempenhou um papel
importante na história da construção da identidade do povo carioca sendo ponto de encontro
de diferentes culturas. O porto do Rio de Janeiro localizava-se no Largo do Paço, atual Praça
XV, e era por lá que saiam as riquezas das minas e entravam os produtos da metrópole e a
carga humana vinda da África. Esse passa a ser o ponto de partida de nossa viagem à Pequena
África” *.
Desde que o porto do Rio de Janeiro se tornou o principal porto do país, o tráfico
negreiro aumentou consideravelmente e o desembarque dos negros escravizados no principal
centro comercial e político do país passou a incomodar as autoridades e os habitantes. Por
questões sanitárias e para que a população não visse as péssimas condições nas quais os
negros chegavam ao Brasil e além, de claro, da imagem do comércio de escravizados não
contribuir na construção da imagem de “cidade europeia” que se pretendia construir, D. Luiz
de Almeida Soares Alarcão, o Marquês do Lavradio, ordenou a mudança do desembarque dos
negros escravizados para uma região mais afastada e de difícil acesso, o cais do Valongo,
localizado na Rua do Valongo, atual Rua Camerino. A concentração das atividades ligadas ao
tráfico negreiro na área do Valongo tornaria a região o maior complexo escravagista das
Américas.
Essa transferência do local de desembarque dos escravizados foi acompanhada por
outras mudanças. Além da construção do Cais do Valongo, um verdadeiro complexo de
escravos foi montado na área, como um lazareto (para onde iam os negros enfermos), o
Cemitério dos Pretos Novos (destinava-se ao sepultamento dos pretos novos, isto é, dos
escravos que morriam após a entrada dos navios na Baia de Guanabara ou imediatamente
após o desembarque, antes de serem vendidos) e os armazéns de venda e engorda dos negros
escravizados.
O desembarque de negros escravizados no Cais do Valongo durou até 1831, quando o
comércio negreiro passou a ser ilegal. Com isso o desembarque de escravizados passou a ser
feito de maneira clandestina em praias isoladas. O fim do comércio negreiro na área do
Valongo e o aumento da produção de café no Vale do Paraíba fluminense transformaram os
antigos trapiches de africanos do Valongo em trapiches de café.
A triste memória do Cais do Valongo seria apagada em 1843 com a transformação do
antigo cais de desembarque de africanos no Cais da Imperatriz, preparado para receber a
futura esposa do Imperador D. Pedro II, a princesa das Duas Sicílias, Tereza Cristina Maria de
Bourbon.
Com a proibição definitiva do tráfico humano em 1850, a Zona Portuária passa a ter
uma grande oferta de mão de trabalho, atraindo pessoas de várias regiões. Vários negros
libertos vieram da Bahia em busca desse trabalho e se instalaram na Pedra do Sal e nas
imediações do Morro da Conceição, iniciando o que seria conhecido mais tarde como Diáspora
Baiana.
A grande concentração de negros na Zona Portuária garantiu a ascensão da Cultura
africana, por meio dos Centros de Candomblé, como o terreiro do pai-de-santo João Alabá de
Omulu e das casas das tias baianas Ciata, Bebiana e Perciliana que serviam de ponto de
encontro para os moradores da região.
Mesmo liberto, o negro só conseguiu construir seu espaço na sociedade através de seu
próprio e incansável esforço e foi na construção desse espaço que eles a alteraram a vida na
cidade, tornando o Rio um importante polo de produção e inovação cultural.
No final do século XIX, a região da Pedra do Sal ficou conhecida como local de chegada,
recepção e ajuda de migrantes, em sua maioria negros. Essa concentração da população negra
nas imediações do porto com seus trabalhadores, vendedores de rua, músicos, capoeiras e
terreiros de candomblé, levaria Heitor dos Prazeres, anos mais tarde, a batizar a área de
Pequena África.
Os negros que ali passaram a habitar começaram sua vida nesse novo local formando
agremiações ou participando de atividades coletivas de trabalho, culto ou lazer, criando um
importante polo de irradiação e de recriação de culturas africanas nas proximidades da Praça
- E foi assim que, no começo da República, surgiram os primeiros ranchos carnavalescos na
cidade. A Praça XI foi considerada capital da Pequena África até 1941, quando as obras na
Avenida Presidente Vargas se iniciaram. Esse desmembramento do polo de cultura africana
levou Pixinguinha, Donga e João da Baiana para a Pedra do Sal.
As Casas das Tias Baianas eram locais onde os trabalhadores portuários descansavam,
faziam refeições e participavam de rodas de samba. Foram nesses locais que se formaram
associações políticas e culturais, como o Afoxé Filhos de Gandhi do Rio de Janeiro em 1951.
A região portuária também é berço da Sociedade de Resistência dos Trabalhadores de
Trapiche e Café, considerada a primeira organização sindical livre de trabalhadores do Brasil,
que é a origem do atual Sindicato dos Estivadores. Pode-se dizer que uma das mais tradicionais
escolas de samba do Rio de Janeiro, o GRES Império Serrano, nasceu na região da Pequena
África, pois a maioria de seus fundadores era do Sindicato dos Estivadores.
Após essa História, é inegável o reconhecimento da importância histórica e cultural de
toda a região conhecida como Pequena África, desde a região do porto à Cidade Nova, porém,
a memória dessa História foi diversas vezes soterrada e despejada em nome da modernidade.
O Cais do Valongo e a memória de negros escravizados desembarcarcados em
condições subumanas foram apagados com a construção do Cais da Imperatriz, que por sua
vez foi soterrado no início da Republica, junto com a memória do Império naquele local, pelas
obras de Pereira Passos na construção do Novo Porto. Por fim, em 2011, o então Prefeito da
cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes coordenou todo um projeto de revitalização da cidade
por ocasião dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo. Revitalização essa que trouxe à tona as
camadas da História da chegada dos africanos. Em 2017 o Cais do Valongo recebeu o título de
Patrimônio Histórico da Humanidade pela UNESCO, por ser o único vestígio material da
chegada dos africanos escravizados nas Américas.
A Pedra do sal, batizada inicialmente como Pedra da Prainha, que era apenas uma
barreira natural que separava o Centro do subúrbio, foi moradia dos negros que trabalham no
desembarque de novos escravizados. E com o fim da escravidão marcou-se como moradia de
trabalhadores da estiva e de moradores despejados da Praça XI, após o início das obras de
expansão da Avenida Presidente Vargas e juntos, esses moradores recriaram Instituições que
não puderam ser trazidas pelos seus antepassados nos navios negreiros, como o culto a seus
Orixás. E entre seus atabaques e danças deram uma marca cultural não só a cidade do Rio de
Janeiro, mas a todo o país: o Samba. Por todo esse histórico, a Pedra do Sal, localizada na base
do Morro da Conceição, pela sua importância na cultura afro-carioca, em 1984, foi tombada
pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural. O local possui muitas medidas governamentais
de proteção de seu território, mas que não têm sido suficientes para garantir sua preservação.
Mesmo com a indicação do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH) para incluir a Pedra
do Sal como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Povo Carioca em 2018, o local sofre
com o abandono administrativo da atual prefeitura carioca. Desde a falta de simples bancos
até má conservação das estruturas. Esse abandono e falta de apoio a esse símbolo da
reestruturação e resistência da cultura afro-brasileira no período pós-abolição resultou na sua
interdição pela própria Prefeitura no final de 2019.
No Carnaval de 2021 o G.R.E.S. Acadêmicos de Vigário Geral vem exaltar e dar o mérito
a região da Pequena África e toda sua população, reconhecer seu valor geográfico, urbano e
artístico, enaltecendo suas raízes e seu pertencimento histórico-cultural, agradecendo por
terem feito e por fazerem parte da nossa história.
* Texto retirado do Documentário “Pequena África – Sobrevivência, Resistência e
Identidade”.
Carnavalescos:
Alexandre Costa Pereira
Lino Sales
Marcus do Val
Fontes de Pesquisa:
Silex Digital: Documentário “Pequena África – Sobrevivência, Resistência e
Identidade”;
Coleção Terras de Quilombo: Comunidade Quilombola Pedra do Sal;
Monografia “Camadas de Memória Entre o Mar e o Morro: Da Pequena África
ao Porto Maravilha” de Júlia Vilhena Rodrigues.