08 – São Clemente abre a segunda noite de desfiles pelo Grupo Especial em 2020
Por Redação
Reportagem: Gilvan Lopes, Heitor Olímpio, Jorge Bezerra, Gil Bezerra, Lú Rufino, Rafael Rios e Sirlene Oliveira
Fotos por Jorge Bezerra e Mariana Barcellos
Imagens: Marcelo Faria
Produção: Julia Fernandes
Suporte Remoto: Jack Costa
Editor: Julia Fernandes e Gilvan Lopes
A marca da São Clemente sempre foi a da irreverência e o enredo deste ano é prova da ousadia: “O Conto do Vigário” vai levar para a Sapucaí uma série de elementos históricos e atuais que mostram como o brasileiro cai, com frequência, numa mentira bem contada. Grande parcela da crítica é destinada à classe política e sua credibilidade cada vez menor.
Conversamos com Júnior Scapin coreógrafo da comissão de frente da São Clemente, que nos relatou. “A dança contará exatamente o que o enredo diz, O conto da malandragem que ficou famoso desde do Período Colonial. Junto com a comissão de carnaval, criamos uma licença poética que será vista no segundo momento da coreografia. Com relação ao desfile da Acadêmicos da Vigário Geral, que abordou o mesmo tema, com questões políticas, ele esclarece . Seremos irreverentes e reflexivos.
Com o enredo: “O Conto do Vigário”, desenvolvido pelo carnavalesco Jorge Silveira a escola de samba de Botafogo, traz para avenida o eterno duelo entre a inocência e esperteza nessas bandas da terra “Brasilis”. O tempo passa e fica cada vez mais difícil enxergar uma luz no fim do túnel. A capacidade da malandragem de se reinventar encontrou sombra e água fresca no Brasil: já faz tempo que tem gente tirando proveito da gente, ficando com a fatia maior do bolo.
SAMBA ENREDO: “O Conto do Vigário”
Autores: Marcelo Adnet , André Carvalho, Pedro Machado, Gustavo Albuquerque, Gabriel Machado,
Camilo Jorge, Luiz Carlos França e Raphael Candeia
Intérpretes: Leozinho, Bruno Ribas e Grazzi Brasil
O sino toca na capela e anuncia
Nossa Senhora, começou a confusão!
Quem vai ficar com a imagem de Maria?
O burro vai tomar a decisão
Mas o jogo estava armado
Era o conto do vigário
Nessa terra fértil de enredo
Se aprende desde cedo
Todo papo que se planta dá
Dom João deu uma volta em Napoleão
Fez da colônia dos malandros capital
Trambique, patrimônio nacional
Tem laranja!
“Na minha mão, uma é três e três é dez!”
É o bilhete premiado vendido na rua
Malandro passando terreno na lua!
Hoje, o vigário de gravata
Abençoa a mamata
Lobo em pele de cordeiro
“Trago em três dias seu amor”
“La garantia soy yo!”
“Só trabalho com dinheiro”
Chamou o VAR, tá grampeado
Vazou, deu sururu
Tem marajá puxando férias em Bangu!
Balança na rede
Abre a janela, aperta o coração
O filtro é fantasia da beleza
Na virtual roleta da desilusão
Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu!
E o País inteiro assim sambou
“Caiu na fake news!”
Meu povo chegou, ô, ô!
A maré vai virar, laiá!
Na ginga, pra frente, lá vem São Clemente
Sem medo de acreditar!
Sinopse do Enredo: “O Conto do Vigário”
“A regra é clara”: nesta terra inventada, é certo o desacerto.
Frase forte. Porém, é mais forte ainda o histórico de malandragem que assola Pindorama. O tempo passa e fica cada vez mais difícil enxergar uma luz no fim do túnel. A capacidade da malandragem de se reinventar encontrou sombra e água fresca no Brasil: já faz tempo que tem gente tirando proveito da gente, ficando com a fatia maior do bolo. A inocência e esperteza travam um duelo secular por essas bandas. Do peixe pequeno ao espadaúdo, a arte de se dar bem sem muito esforço se proliferou em nossa nação sem noção. O engano é oficial: e isso vem de longe…
Nossa história começa cercada pelas Minas Gerais. Na Minas dourada, barroca, ao som de sinos nas torres de igrejas e carroças rangendo pelas vielas e ladeiras – lá pelos idos do século XVIII, mais precisamente na rica Ouro Preto. Uma terra de tanta fartura mineral que despertou a atenção de pessoas dispostas a desfrutar de tamanha prosperidade sem muito esforço. Mas digo que o ponto inicial de nossa saga não começa com a cobiça pelo ouro. Nosso marco inicial é pitoresco e envolve os personagens mais improváveis: uma santa, um burro e um vigário.
Naquela ocasião, duas igrejas disputavam uma imagem de Nossa Senhora. A animada querela era entre as paróquias do Pilar e da Conceição. Para resolver a questão, um dos dois vigários – o da igreja do Pilar – propôs uma forma no mínimo criativa de solucionar o problema: “Amarrem a santa num burrico. Coloquem-na entre as duas paróquias. Deus guiará o inocente animal até a casa que deverá abrigar a Santa Imagem!”
Assim foi feito. Lá vai o burrico pelas ladeiras de Ouro Preto, carregando no lombo a imagem da Mãe de Deus e a fé da boa gente do lugar. No entanto, o povo não contava com a astúcia do vigário: era esperto o santo homem! O pároco que teve a ideia fez a proposta com tudo já planejado, uma vez que já era seu o burro apostado! O bichinho só seguiu o caminho de casa! Muitas outras versões existem para esse caso, mas para nós fica esse como o registro mais válido, já que é por causa disso que toda vez que alguém é por uma boa história enganado, diz a pessoa ter caído no “conto do Vigário”.
O episódio acima ilustra de maneira bem jocosa o espirito da coisa. Essa malandragem encontrou terreno fértil na colônia controversa, sem rumo e sem lei, onde essa vigarice criou raiz. Desde que os portugueses aqui chegaram, sempre teve alguém dando um jeito de se dar bem em cima da inocência alheia. Do mais humilde ao mais poderoso, sempre surge uma história bem contada, de alguém querendo levar vantagem. Sem orgulho, carregamos essa chaga da enganação, é verdade. Sempre surge um novo malandro reinventando a malandragem – e foi com o crescimento das grandes cidades, cheias de novas oportunidades, que os vigaristas encontraram terreno fértil para aplicar seus golpes sobre os incautos. Do “bilhete premiado” à “máquina de fazer dinheiro”, a criatividade dos enganadores em aplicar golpes em nosso país desafia o bom senso. Até quando o homem pisou na Lua teve gente dobrando o povo no papo, anunciando a corretagem: “não perca essa chance! Vende-se um terreno na Lua! Na minha mão é mais barato!” Seria cômico, se não fosse trágico. É fato contado e documentado. Os folhetins do século passado registraram os feitos em manchetes, como aqueles datados de julho de 1969 que, enquanto a Apollo 11 tocava o solo lunar, um sergipano chegou a fechar negócio com dois fazendeiros de Minas Gerais, que ficaram animados com a possibilidade de ter a posse de ótimos logradouros vizinhos a São Jorge. Olhai por nós, oh pai!
E por falar no Gerente Celeste, nessa jornada é preciso ter fé. E como tem gente fazendo uso da boa-fé do brasileiro. O papel do interlocutor com o Divino profissionalizou-se, capitalizou-se e burocratizou-se. Tá cheio de esperto, se dizendo santo, cobrando taxa e sobretaxa por um lugar no céu: verdadeiros lobos em pele de cordeiro. O milagre tem seu preço! No mercado da fé, ganha mais quem vender mais promessas. O povo, coitado, sofrido e sem opção, é isca fácil para aqueles que fazem de ofício a oração. “Trago a pessoa amada em três dias!” Mas não seja por isso: “Ele” está vendo tudo com atenção. Um dia a Casa Celeste cai!
No Brasil, a malandragem é institucional, carimbada, registrada e homologada em 10 vias no cartório. Este rincão não é para amadores: de dois em dois anos o povo tem que escolher a melhor promessa. Toda vez a esperança se renova, até a primeira curva torta: depois de eleito, o malandro deixa o povo à deriva. Pelo voto, se vende as maiores ilusões. E como sabem contar histórias esses candidatos a “malandro oficial”. Antes de ter seu voto, prometem mundos e fundos; depois de eleitos, cada um vai cuidar dos seus próprios interesses. Já o povo, por sua vez, insiste em trocar seu voto por dentadura.
Passa o tempo, mas não passa a vigarice do malandro. Ele se adapta, se “atualiza”, viraliza, cai na rede. E o povo vai na onda. Compra gato por lebre, perde o sustento suado, é feito de gato e sapato. A modernidade não assusta a malandragem: o vigarista se adapta! Vende inverdades à rodo, sem temer o amanhã. Vende o produto que nunca se viu: “Fake News”! “Fake News”! “Fake News”!
O papo é reto, direto e franco: abra o olho brasileiro. Já dizia o saudoso Bezerra da Silva que “malandro é malandro e mané é mané”. Nesta terra inventada, é certo o desacerto, mas cabe a nós dar um freio. O certo é o certo; fora disso, é alheio.”
Carnavalesco: Jorge Silveira
Mestre Caliquinho, Mestre de Bateria, junto com os cantores: Leozinho Nunes, Grazzi Brasil e Bruno Ribas, abrem a última noite de Desfiles na Sapucaí com a São Clemente.
FICHA TÉCNICA
Fundação 25/10/1961
Cores Amarelo e Preto
Presidente Renato Almeida Gomes
Quadra Av. Presidente Vargas, 3.102 -Centro, Rio de Janeiro – RJ
Centro Cultural da São Clemente – Rua Moncorvo Filho, 56
Telefone Quadra
Barracão Cidade do Samba (Barracão nº 09) – Rua Rivadávia Correa, nº 60 – Gamboa – CEP: 20.220-290
Telefone Barracão (21) 2253-3776
Internet www.saoclemente.com.br
E-Mail robertoalmeidagomes@gmail.com
Imprensa Rafael Arantes
Tel.: (21) 98002-1363
Enredo 2020 “O Conto do Vigário”
Diretor de Carnaval Roberto Gomes
Carnavalesco Jorge Silveira
Intérpretes Leozinho Nunes e Bruno Ribas
Mestre de Bateria Caliquinho
Rainha de Bateria Raphaela Gomes
Mestre-Sala e Porta-Bandeira Fabrício Pires e Giovanna Justo
Comissão de Frente Júnior Scapin