06 – Inocentes de Belford Roxo entra na avenida com a força da sua comunidade
Por Gilvan Lopes e Heitor Olímpio
Fotos por Chiara Martelotta e Lucas Andrade
Suporte Mídias: Julia Fernandes
Suporte Técnico/Remoto: Jack Costa
Com o enredo “Os bandoleiros são outros”, desenvolvido pelo carnavalesco Marcus Ferreira. A Inocentes trás para a avenida enredo sobre o cangaço, a escola mostrará na avenida um paralelo entre as crendices de pessoas que guardavam fortunas enterradas em seus quintais no Nordeste do país e cenas atuais de casos de corrupção como nos dias atuais e oferecendo aos espectadores do espetáculo uma inspiração cinematográfica.
Em severa crise financeira, e ainda com o prejuízo que as chuvas provocaram, a escola usou materiais recicláveis para compor as alegorias e chegou a pedir doação de garrafas, latas, panelas e outros objetos para decorar três de suas quatro alegorias.
Como bem disse o presidente, Reginaldo Gomes “a estiagem” da chuva veio para ajudar. “Logico que a gente vê essa estiagem como um bom sinal. Nos deixa alegre, mas é trise porque essa chuva que caiu prejudicou muito o espetáculo e também várias pessoas no Rio principalmente lá na Baixada Fluminense, alagando casas. A Inocentes vem forte!”
Para a Porta-Bandeira, Jaçanã Ribeiro o clima na escola é o melhor possível. “O clima está muito bom e favorável. A gente está muito emocionada (na comunidade), sobre Lampião e o seu bando. Vamos vão ser divertir. E essa chuva que parou é Padrinho Cícero, que é padroeiro de Lampião abençoando.”
A Belford Roxo veio com 5 carros alegóricos, 2.000 componentes para contar a sua historia na avenida.
SAMBA ENREDO
LETRA
Enredo: O Frasco do Bandoleiro
Compositores: Cláudio Russo e André Diniz
Feijão de corda, na cuia a abrideira
Verso pra muié rendeira e toucinho de fumeiro
Perfume a penca, uma avenca, porcelana
Toda condição humana no frasco do bandoleiro
E no sertão, a arte vibra insensata
Malabares do destino, pro que vive e o que mata
Da festança ao desatino, o perigo fascinante
Vem chegando Virgulino, cabra macho viajante
Guarda pra correr, corre pra guardar
Um litro de dendê, um lote de cajá (bis)
O muito para Deus, é pouco para o bando
Insano, na vida cigano, a moringa carregando
Dizem que escutam à beira do rio
O trote dos cascos e o corte dos fios
Mistério nativo esconde o tesouro
O olhar da serpente à paixão infinita
Um brinco de argola, pingentes de ouro
Pra jóia Maria Bonita
Pra jóia Maria Bonita
Cantis de vinho adoçam o xique-xique
E a volante, derrama pranto em Sergipe
Chaleira que cai, um filho se vai
Fica a luz do Lampião
Fica a estória tão rica ao luar do sertão
Traz a sacola, põe no pacote
Não é do povo esse novo bandoleiro (bis)
Não tira a boca da botija e quer o dote
Dá no cangote do inocente brasileiro
FICHA TÉCNICA
Presidente: Reginaldo Gomes
Carnavalesco: Marcus Ferreira
Diretor de Carnaval: Luiz Carlos Amâncio
Direção Geral de Harmonia: Luiz Carlos Amâncio, José Marinaldo (Tarzan), Marcio Pimenta e Tiago Gomes
Intérprete: Nino do Milênio
Comissão de Frente: Patrick Carvalho
Mestre de Bateria: Washington Paz
Rainha de Bateria: Thainá Oliveira
1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Peixinho e Jaçanã Ribeiro
2º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Douglas Valle e Winnie Delmar
SINOPSE DO ENREDO
O Frasco do Bandoleiro
(Baseado num causo com a boca na botija)
Glossário de cousas dos lajedos e areais:
Frasco (v.t.nordestina).1. Recipiente de barro, fibra de palha, madeira ou vidro. 2. De lata, que guarda o cultivo. 3. Balangandã de galhadas, prenúncio de vida local (povoado rural). 4. Amuleto das chuvas; aparador de águas. 5. Refratário itinerante do Cangaço. 6. Botija – cofre de finanças, tesouro que se enterra. 7. Ferramenta de artistas mambembes. 8. Ou, o famoso se vira na vida (aperreio), como já é de costume do nosso bravo povaréu nordestino.
ESSA ESTÓRIA DAVA UM CORDEL PARA CORRER O MUNDO:
(Ou estórias que o povo diz)
Lunário perpétuo. Frascaria que reflete o azul celeste. Olhar desenhado por linhas e varais de existência. Gambiarras são pontos de luz no coração de mais uma cidadezinha dos sertões da vida. Horizonte desvendado por um caminhar aberto por jegues pintados de zebras, carroças e passadas chegantes.
Palhaços tocam rabecas, malabares de cabaças cruzam o pouco ar que resta, equilibristas manejam garrafas. Guardeados por Bastiões em dia de Reis que portam ganzás de porongas. Na boca de cena, fantoches feitos de coco, entoados por um estridente xaxado, encenam o cangaço. Cangaço que parte para mais um alvoroço nas fazendas e vilarejos adiantes – como de costume. Além de chefe bandoleiro, Virgulino Ferreira da Silva foi modelista, repentista, cinéfilo e financiador de poetas e artistas itinerantes.
Pouco pra Deus muito; muito para o bando, pouco. Cena de filme de faroeste brasileiro ou “Bang-Bang”. Lenços cobriam a face dos bandoleiros. Pelas mãos, inúmeros anéis dos quinhões de mercadores, coronéis e fazendeiros. Seguem os alazões repletos de frascos vazios desbravando o terror nas terras do sol eminente. Arruaça feita, abastecidos: cuias de farinhais, cumbucas de grãos-cereais, balaios de caprinos, gaiolas repletas de penosas, bilhas da boa manteiga, pimenta-seca e o famoso perfume francês do Capitão. Seguem ao desconhecido repletos de feitorias – fisco temporário do viver.
Frascos cheios, pé na poeira. Nas grutas e cavernas a procura do esconderijo perfeito, onde a vida não alcançou. Ecoa na voz dos ribeirinhos do “Velho Chico” estórias de tesouros perdidos. Contam as rendeiras das proximidades do Vale do Raso da Catarina – Bahia, que Lampião em sua hospedagem, teria enterrado em frascos vazios de aguardente moedas de ouro e prata, joias e parte de sua “pila”. Até hoje, lá pelas bandas, ouve-se um cavalgar embalado por “mulher rendeira”, hino ao cangaço. Difícil imaginar quem ali se aventuraria a desenterrar tais botijas. Habitam o Raso, a lenda da Catarina (Xamã que se perdeu da tribo), homens-lobos, cruéis suçuaranas e a serpente encantada dos olhos de fogo.
Fora dali a vida é hostil, terrosa. Sina coiteira comparsa ao cangaço. Vento seco, ar que falta no balançar dos penduricalhos – prenúncio de vida rural. Frascos da lida de um povo solitário nos sertões bravios que guardam a seiva do viver – botijas, talvez. Cercados por limites naturais, fibras de murundus entrelaçadas, que pousam o secar de cabaças e porongas. Mãos de acalanto ao barro denso que moldam moringas, balaios, cestos do sacolejar até os açudes que nos restam – santidades a Padim Ciço nas romarias – o pedido das caatingas. Bens únicos ofertados pela natureza.
“Quem manda em nós é o destino” e o destino quis que fosse assim. Passos seguidos pela Volante na Grota do Angico-Sergipe, após atravessar o São Francisco, uma possível calmaria. Noite financiada por garrafas de vinho, meio ao cenário adornado de frascarias, fiéis companheiras do bando. Cantis se apoiam nos xique-xiques e facheiros; cestarias guardam cobertas e punhais; botijas-baús de joias; purrões resumidos a um fio; na fogueira, a chaleira aquecia a água. Amanhece com eles, testemunhos do fim. Alvejados sem piedade, degolados a mando, saqueados como nós de costume. Cabeças rumaram por meses; cidades como troféus erguidos em altares. Poucos foram os que restaram para o findar dessa estória.
Oitenta anos após o desaparecimento de Lampião e Maria Bonita, segue nosso inocente povaréu em “pane seca”, a buscar mesmos tesouros: nas caixas de feiras livres e mercados populares, em romaria empunhando frascos – combustíveis do viver. Só que dessa vez, pouco bandoleiros.
Os bandoleiros são outros.
(Conceito, Desenvolvimento, Texto)
Marcus Ferreira, Maio de 2018.
Bibliografia Dirigida:
Imagens do imaginário de Euclides da Cunha em Os Sertões (1902); Recortes fotográficos de Carlos Coimbra em Lampião, o Rei do Cangaço (1963); A Luneta do Tempo (2016) de Alceu Valença. O testemunho do Libanês Benjamin Abrahão pelo documentário Baile Perfumado (1997) e/ou a memória fotográfica de um viajante por esse Nordeste de nosso Deus.
(Revisão Textual) – Henrique Pessoa.
(Colaboração) – Cláudio Russo.