06 – Cubango encerra os desfiles da Série A na Marquês de Sapucaí
Por Gilvan Lopes e Heitor Olímpio
Fotos por Chiara Martelotta e Lucas Andrade
Suporte Mídias: Julia Fernandes
Suporte Técnico/Remoto: Jack Costa
Com o enredo “Igbá Cubango – A Alma das Coisas e a Arte dos Milagres” desenvolvido pela dupla de carnavalescos, Gabriel Haddad e Leonardo Bora, retrata o misticismo dos objetos.
Com o enredo “Igbá Cubango – A Alma das Coisas e a Arte dos Milagres” desenvolvido pela dupla de carnavalescos, Gabriel Haddad e Leonardo Bora, retrata o misticismo dos objetos.
O Portal Sambrasil conversou com personagens da Acadêmicos do Cubango: primeiramente falei com Rogério Belisário, Presidente da escola, ele agradeceu a cobertura do nosso veículo, e aproveitou para mencionar a ajuda dada pela Prefeitura de Niterói: “Sem essa parceria com a Prefeitura seria bem complicado para nós, nos deram um pouco de tranquilidade para desenvolvermos nossos trabalhos; e o que vocês verão é uma escola guerreira, aguardem!”; falamos também com a primeira Porta Bandeira, Patrícia Cunha (que faz par com o Mestre Sala Diego Falcão): “Minha roupa representa a força e ancestralidade afro-brasileira; muitos ensaios, árduos, e estamos prontos, vale a pena acompanhar”; e, por último, o papo foi com Sérgio Lobato, Coreógrafo da Comissão de Frente da agremiação, que falou da representatividade da sua comissão: “Representaremos elementos religiosos, as roupas terão ilustrações do renomado artista brasileiro Carybé; teremos surpresas que vão encantar o público, até porque, a Comissão da Cubano sempre é bem aguardada, e não iremos decepcionar o presentes”!
“Contando causos da religiosidade popular brasileira a partir da relação de cada sujeito com os seus objetos de culto. Somos devotos dos tambores ancestrais: rum, rumpi e lé. O desfile é o nosso ex-voto, o samba é a nossa graça. Porém é preciso cuidado com as promessas dos falsos profetas – novíssimos Reis da Vela com as suas coroas de lata, votos que perpetuam o medo e o preconceito.”.
Objetos de poder, objetos de devoção, objetos-dádivas, objetos que possuem alma e contam histórias, objetos de pedir e pagar, objetos que traduzem graças, objetos encantados, objetos-amuletos, objetos-relíquias, objetos que operam milagres – e que mentem milagres também. O GRES Acadêmicos do Cubango pede a proteção de Babalotim, o “ídolo menino” que completa 40 anos, e agradece a São Lázaro, o padroeiro, pelo sonho vivido no último cortejo. Romeiro, cada sambista carrega consigo as suas obrigações.”.
SAMBA
LETRA
COMPOSITORES: Robson Ramos, Sardinha, Duda Tonon, Anderson Lemos, Ailtinho, Sérgio Careca, Carlão do Caranguejo e Samir Trindade. Part. Especial: Marcos Paulo, Thales Nunes e Chaynne Santos.
INTÉRPRETE: Thiago Britto
VOU BUSCAR PRA MIM
A FORÇA DO SEU AXÉ,
MENINO BABALOTIM, NO SAGRADO AFOXÉ!
AOS PÉS DO MORRO FIZ O MEU TERREIRO,
ONDE O PADROEIRO VESTE A PALHA EM SEU ALTAR;
ATOTÔ, EU BATO CABEÇA PRA OMULU!
NESSE CHÃO TEM PIPOCA PRO SANTO,
OFERENDAS DO MEU MUNDO VERDE E BRANCO;
Ê, SARUÊ BAIANA! Ê, SARUÊ BAIANA!
GIRA LAGUIDIBÁ, GIRAM SAIAS E GUIAS!
CARREGO NO PATUÁ A SUA SABEDORIA!
FIGAS, CARRANCAS, BALANGANDÃS,
RELÍQUIAS E MILAGRES NO CAMINHO;
SOU PEREGRINO E AMARRO A MINHA FÉ!
A CRUZ NO PEITO A ME ABENÇOAR,
NO CÉU DE PROMESSAS, UM PRESENTE OFERTAR!
EM ROMARIA EU AGRADECI; NA ALMA DAS COISAS, ACREDITEI…
PEDAÇO DE SONHO, EX-VOTO NA MÃO
UM CORAÇÃO BORDADO AO DIVINO REI!
SENHOR, TEM PIEDADE DE NÓS!
EIS A ORAÇÃO EM NOSSA VOZ!
TEM GENTE VENDENDO AO POVO ILUSÃO…
ACENDO VELA, PEÇO SALVAÇÃO!
KO SI OBA KAN ÔÔÔÔ
OFI OLORUM ÔÔÔÔ
MEU “IGBÁ CUBANGO” É AMULETO
FICHA TÉCNICA
Presidente: Rogério Belisário
Carnavalescos: Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Diretor de Carnaval: Márcio André
Direção Geral de Harmonia: Daniel Katar e Allan Guimarães
Intérprete: Thiago Brito
Comissão de Frente: Sérgio Lobato
Mestre de Bateria: Demétrius Luiz
Rainha de Bateria: Maryanne Hipólito
1º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Diego Falcão e Patrícia Cunha
2º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira: Rodrigo Machado e Joyce Santos
Número de Componentes: 2.000
Número de Alegorias: 4 carros
Número de Alas: 20
Ordem do desfile: 6ª escola – sábado de carnaval (Sambódromo)
SINOPSE DO ENREDO – Igbá Cubango – A Alma das Coisas e a Arte dos Milagres
Objetos de poder, objetos de devoção, objetos-dádivas, objetos que possuem alma e contam histórias, objetos de pedir e pagar, objetos que traduzem graças, objetos encantados, objetos-amuletos, objetos-relíquias, objetos que operam milagres – e que mentem milagres também. O GRES Acadêmicos do Cubango pede a proteção de Babalotim, o “ídolo menino” que completa 40 anos, e agradece a São Lázaro, o padroeiro, pelo sonho vivido no último cortejo. Romeiro, cada sambista carrega consigo as suas obrigações. O que pretendemos contar são causos da religiosidade popular brasileira a partir da relação de cada sujeito com os seus objetos de culto. Somos devotos dos tambores ancestrais: rum, rumpi e lé. O desfile é o nosso ex-voto, o samba é a nossa graça. Porém é preciso cuidado com as promessas dos falsos profetas – novíssimos Reis da Vela com as suas coroas de lata, votos que perpetuam o medo e o preconceito.
Sambemos!
Carrego de Exu eu não quero carregar. Mas amuleto, o que é que há?
- Ko si ọba kan, ofi, Ọlọrun.
SINOPSE DO ENREDO
1 – Igbá Cubango
Na festa de Domurixá
em homenagem a Oxum
Deusa da nação Ijexá
onde a figura principal
era o boneco Babalotim
mensageiro da alegria, da força do axé
um ídolo menino, levado por menino em sua fé
e assim teve origem o Afoxé
Heraldo Faria e João Belém – Afoxé
Igbá Cubango! Guardamos nessas cabaças as memórias antepassadas. Fundamentos. Levamos para a Avenida o peji das nossas vitórias: evocamos o dom de Afoxé, o samba que se fez milagre. Assentamos, aqui, nossa história. Da palha fazemos um trono. O ídolo-menino de outrora é revivido na Passarela: que todo componente da escola a ele dirija um pedido. Valei-nos, Babalotim! Oxum traz os seus axés: pedras do fundo do rio, pentes de tartaruga. Otás. São Lázaro se transforma: Obaluaê, Omolu, Xapanã, na porta da nossa quadra, no Morro do Abacaxi. Saúda e protege os sambistas, que a ele oferecem presentes. Giram laguidibás, giram saias, giram guias. Chifres de búfalos, asas de besouros. Mães-baianas, turbantes e panos da costa, cobrem o chão de pipocas. As mãos nos atabaques, os pés na terra. Os corpos-terreiros fervem e alguém, enfim, anuncia: agarrem as suas figas para mais uma sagração!
2 – De pedir proteção
Laguidibá
não é simples ornamento
é colar de fundamento
você tem que respeitar
(…)
Laguidibá
é adereço muito certo
é coisa de santo velho
do Antigo Daomé
Nei Lopes – Laguidibá
Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará. O barroco tropical brasileiro reuniu em um mesmo oratório as relíquias dos santos de lá às penas caboclas de cá. Nos balangandãs de prata, romãs e muiraquitãs. Medalhas. Uma figa, uma rosácea, um coração, um crucifixo. Búzios, firmas, fitas, fios de conta. Dentes de animais encastoados. Pulseiras, colares, cocares. Calungas. Me banhei com guiné, alfazema e dandá. Defumei com quarô, benjoim. Patuás. Ourivesaria sagrada, jóias de mandingueiras. Quase tudo se faz amuleto, pedir proteção é de praxe – “basta encontrar na rua um fetiche qualquer, pedra, pedaço de ferro ou concha do mar”, escreveu João do Rio, nas quebradas. O seguro morreu de velho e é preciso se precaver: fechar o corpo, tomar a sorte, ganhar coragem, fazer os nós. Nos sacrários das sacristias, nos segredos dos Candomblés. Ebós. Arriar comidas nos entroncamentos. Carrancas pra navegar, máscaras nos bailados. Terços e escapulários – e um pouquinho de pó de pemba.
3 – De pagar promessas
No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.
(…)
No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
o pó das feridas e o pó das muletas.
Carlos Drummond de Andrade – Romaria
Pedido feito, graça recebida – então é preciso pagar. Caminhar, seguir romaria. Carregar uma cruz tão pesada, o drama de Zé-do-Burro. Nas mãos calejadas da lida, cem mil corações em brasa. Ex-votos do Brasil inteiro desenham um mapa de pernas. O catolicismo popular expressa as andanças da nossa gente: Bonfim, Nazaré, Matosinhos, Bom Jesus, Pai Eterno, Canindé, Monte Santo, Juazeiro, e lá se vai a multidão cantando. Que ex-voto levo à Aparecida, se não tenho doença e só lhe peço a cura? – questionou Adélia Prado. São Judas Tadeu – Niterói. A Candelária, a Penha, a Penna. Nos “museus das promessas ou dos milagres”, como o descrito por Jorge Amado, vê-se a sobreposição de dádivas: barro, cera, madeira, papel. São partes do corpo, são pinturas, são retratos e miniaturas (de casas, de bichos, de barcos, de gratidão). Cartas, bilhetes, roupas, diplomas. Vitalino esculpiu ex-votos, Mestre Fida é uma referência. Artistas contemporâneos revisitam o imaginário – mesmo o Bispo do Rosário, que tanta alegria nos deu, a quem novamente rogamos: olhai por nós, nobre peregrino! Cada rosto esculpido foi dor alentada. (…) Deixa a dor nas aras, como ex-voto aos deuses – e segue o teu destino!
4 – Da (falsa) promessa que é dívida
HELOÍSA – Ficaste o Rei da Vela!
ABELARDO I – Com muita honra! O Rei da Vela miserável
dos agonizantes. O Rei da Vela de sebo. E da vela feudal que nos fez
adormecer em criança pensando nas histórias das negras velhas…
Da vela pequeno-burguesa dos oratórios e das escritas em casa… (…)
Num país medieval como o nosso, quem se atreve a passar
os umbrais da eternidade sem uma vela na mão?
Herdo um tostão de cada morto nacional!
Oswald de Andrade – O Rei da Vela
Mas há os falsos profetas e as falsas promessas à venda. Objetos de todo tipo, no shopping-cassino da unção. É água de benzer camisa, é caneta de assinar contrato, é tijolo para erguer a casa, é vassoura de varrer o diabo. Travesseiros para sonhos bons, redes de pescar vitórias. E velas aos borbotões! Não é outro que não a vela o mais famoso objeto votivo: de pedir, pagar, prometer. Abelardo I, o Rei da Vela, lucrou e fez fortuna explorando a miséria alheia. A crítica de Oswald de Andrade, Antropofagia e Tropicália, permanece ferida aberta no peito do Brasil atual. São promessas que viram cifras e moedas que se avolumam: qual é o preço a se pagar por um lugar confortável no céu? E que céu tão nublado é este, que mais exclui do que celebra a diferença? Dívidas que se pagam a preços exorbitantes – inclusive um outro tipo de voto, nem devoto nem ex-voto: o voto depositado nas urnas eleitorais.
Que as velas acendam pedidos de dias mais iluminados. Afinal, já dizia o poeta: há sempre uma promessa de alegria…
Amém, Axé, Evoé, Saravá!
- Glória pro fio de Exu!
Carnavalescos – Gabriel Haddad e Leonardo Bora
Autores e pesquisa do enredo – Gabriel Haddad, Leonardo Bora e Vinícius Natal
Nascido de uma confluência de sonhos, sequências de sincronicidades.
Agradecimentos especiais a Thiago Hoshino e Fred Góes.
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VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás. Deuses Iorubás na África e no Novo Mundo. Salvador: Corrupio, 2002.
https://projetoex-votosdobrasil.net/.
Canções mencionadas no texto:
Afoxé, Heraldo Faria e João Belém
Feita na Bahia, Roque Ferreira
Laguidibá, Nei Lopes
Poemas e demais textos literários mencionados no texto:
Alegria, entre cinzas, Carlos Drummond de Andrade
Bahia de Todos-os-Santos, Jorge Amado
Ẹlẹgbara, Alberto Mussa
Ex-Voto, Adélia Prado
Ex-Votos, Aninha Duarte
Macunaíma, o herói sem nenhum caráter (capítulo Macumba), Mário de Andrade
Manifesto Antropófago, Oswald de Andrade
No mundo dos feitiços, João do Rio
O Pagador de Promessas, Dias Gomes
O Rei da Vela, Oswald de Andrade
Romaria, Carlos Drummond de Andrade
Segue o teu destino, Ricardo Reis/Fernando Pessoa