04 B – GRES Em Cima da Hora
Por Marcelo Faria e Equipe Sambrasil Rio
Reportagens: Sirlene Oliveira, Ricardo Netto, Gilvan Lopes, Roberta Campos, Lizia Nascimento, Fernanda Gaspar e Rafael Rios
Imagens: Julia Fernandes, Sirlene Oliveira, Fernanda Gaspar e Lizia Nascimento
Fotografias: Arlene Melo, Marcelo Faria, Lizia Nascimento, Fernanda Gaspar e Marcelo S. Faria
Suporte técnico: Jack Costa e Jaime Jotta Jr.
Videomaker: Jaime Jotta Jr. e Raphael Rios
Produção: Lízia Nascimento e Fernanda Gaspar
Redes Sociais: Jack Costa, Lízia Nascimento, Julia Fernandes e Sirlene Oliveira
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A Azul e Branco do bairro de Cavalcanti, subúrbio carioca canta a história de Esperança Garcia,
mulher negra escravizada que, no século 18, no Piauí colonizado, ergueu-se como voz da
resistência e lutou contra os terrores da escravização.
Esperança aprendeu a ler e a escrever, e usou o saber como arma de enfrentamento: redigiu uma
carta denunciando os horrores do Piauí escravocrata e as violências que sofria, documento hoje
considerado uma das primeiras cartas de Direito.
O tema é dos enredistas Victor Marques e Clark Mangabeira e que é desenvolvido pelos
carnavalescos Marco Antonio Falleiros e Carlos Eduardo
ENREDO: “Esperança, Presente!”
Sinopse do enredo
“Eu Sou hua escrava de V.S administração do Cap.am Antoº Vieira de Couto, cazada. Desde que o
Cap.am pª Lá foi administrar, q. me tirou da Fazdª dos algodois, onde vevia co meu marido, para ser
cozinheira da sua caza, onde nella passo mto mal. A primeira hé q. há grandes trovoadas de
pancadas enhum Filho meu sendo huã criança q lhe fez estrair sangue pella boca, em min não poço
esplicar q Sou hu colcham de pancadas, tanto q cahy huã vez do Sobrado abacho peiada; por
mezericordia de Ds esCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tres
annos. E huã criança minha e duas mais por Batizar. Pello ã Peço a V.S pello amor de Ds e do Seu
Valim ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a Porcurador que mande p. a Fazda aonde
ele me tirou pa eu viver com meu marido e Batizar minha Filha.
De V.Sa. sua escrava Esperança Garcia” (6 de setembro de 1770).
A terra rachada como testemunha do Brasil da desonra: correm pelas veias dos rios, das matas e
das fazendas a covardia da escravização. O terror branco que deixou nossa história podre e
carcomida. Corrompeu pelas frestas da Capitania do Piauí setecentista o alvo flagelo contra corpos
negros sequestrados, africanas vivências que lutavam diante da dor, jamais se curvando a qualquer
senhor. Donas de si, negras e negros que resistiam. Existiam. Existem.
E lá por aquelas bandas esquecidas, entregue aos desprezíveis opressores e à vergonha dos
grilhões, brotou Esperança. Nasceu Esperança. Dela, Orixá cuidava. Amparava-a com o machado
da justiça. A filha nunca esquecida! Xangô do trovão contra injustiças, da brasa e da lava viva do
vermelho do sangue dos corpos que são, estava lá, com ela. Xangô, justiceiro e guerreiro, dando
seu Axé à preta cujo destino era esperançar todas as vidas negras. Guerreira que cresceu e
aprendeu a ler e a escrever na Fazenda Algodões dos jesuítas, mesmo com o trabalho duro da roça,
que deixava as mãos lanhadas pelo capim da terra seca. Trabalhava no pasto do gado, nas
plantações, na casa, fiando algodão e o seu destino. Vivia na pobreza e na dureza, corpo sem
descansar no chão batido, porém usava a sabedoria contra as dores da labuta imposta.
Mulher, mãe, preta, escravizada! Esperança com tinta nas mãos e a pena como lança! O saber
como arma! Kaô Kabecilê! Salve o Senhor da Pedreira e a defensora Esperança Garcia, labareda do
fogo da justiça de Xangô!
Quando então um marquês expulsou os jesuítas, ela foi levada por um capitão. Agora escravizada
em outra fazenda da Inspeção de Nazaré, separada à força do marido e dos filhos maiores, mais
tortura em seu corpo, enquanto ela trabalhava na residência colonial como cozinheira, na rica
cozinha… dos outros.
A violência contra sua pele, carne e alma. Os rasgos das feridas. Esperança nunca com a cabeça
baixa e o feitor que a peava. E a ira veio das entranhas, da força da ancestralidade: justiça! Eis a
imposição! Não é não! Trovões de pancadas que virariam trovões de Esperança, da mulher que não
desiste, que se levanta contra a violência! A mulher que é resistência, que fez a resistência, uma voz
para múltiplas vozes, a fúria para fazer valer a sua vontade!
Esperança agoniza, mas não morre, brada! E ela escreveu para batalhar pelos seus. Escreve,
Esperança, Tu que és verbo vivo da justiça de Xangô! Naquela realidade brutal onde pessoas
negras não tinham acesso à educação, Esperança Garcia fez valer sua inteligência e nenhum doutor
com ela se criou! Gritou, com palavras no papel, a carta ao governador, denunciando as torturas
contra os negros – “Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio
Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da Fazenda Algodões,
onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal”. Exigiu
justiça. Peticionou seu desejo com coragem, ousadia e força para resistir – “A primeira é que há
grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela
boca, em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que caí uma vez do
sobrado abaixo peiada; por misericórdia de Deus escapei”.
Usou a religião e pediu até o batismo da filha, além de confissão para ela e suas irmãs, tudo para
vencer a tirania – “A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma
criança minha e duas mais por batizar”. A carta que virou símbolo de justiça, a carta que é o
verdadeiro direito. A preta que lutou, reconhecida como a primeira advogada do Piauí, de punho
erguido contra os opressores. Esperança é viva na bravura de denunciar o sofrimento com palavras
– “Peço a Vossa Senhoria pelo amor de Deus ponha aos olhos em mim ordenando, digo mandar ao
procurador que mande para a fazenda de onde me tirou para eu viver com meu marido e batizar
minha filha”.
Então, escreve, Esperança, por favor, escreve! Naquele fim de mundo, escreve! Letras eternas que
deram o primeiro sopro de vida à Literatura Negra brasileira. Esperança viva nas suas
escrevivências, fiando uma guia para Conceição. Esperança para todas as Marias, a voz da
dignidade ressoando nas páginas da dos Reis e na vida nobre da de Jesus, juntas através das letras
esperançadas! Esperança nos cadernos negros das páginas do Brasil, a alma jamais escravizada!
Esperança para lembrar de lutar e reiterar que a justiça é a pedagogia do Esperançar.
Eis que chegou a hora de soltar o grito! De escreviver Esperança Garcia na Sapucaí! Em Cima da
Hora, chegou a hora de Cavalcanti girar no Axé da mulher que jamais fraquejou! Sempre e para
sempre, é tempo de exaltar a força das mulheres negras que pariram este Brasil! Então, gritemos
nosso Azul e Branco na Avenida! Morro da Primavera, ergamos o punho com respeito e garra, e,
sem medo, vamos em frente:
– Esperança, presente!
Carnavalescos: Marco Antônio Falleiros e Carlos Eduardo
Enredistas, Sinopse e Pesquisa: Victor Marques e Clark Mangabeira
Referências bibliográficas:
ALVES DA SILVA, Leandro (coord.). A carta de Esperança Garcia: uma mensagem de coragem,
cidadania e ousadia. Universidade Federal de Pernambuco. Ministério da Cultura. Ponto de Cultura
Quilombo do Sopapo. Porto Alegre: 2015.
LEAL, Maria Ivoneide. Quando a Esperança é símbolo de liberdade: um estudo sobre a história de
Esperança Garcia e a construção de sua imagem. Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS.
Chapecó: 2021.
MOTT, Luiz. Piauí Colonial: população, economia e sociedade. Teresina: FUNDAC
– Coleção Grandes Textos, 2010.
MULHER, negra e escravizada: Esperança Garcia, a primeira advogada do Piauí. Portal Geledés.
11 de agosto de 2017. Disponível em: https://www.geledes.org.br/mulher-negra-e-
escravizada-esperanca-garcia-primeira-advogada-do-piaui/
RODRIGUES DE SOUZA, Maria Sueli et al. (Org.). Dossiê Esperança Garcia: símbolo de resistência
na luta pelo direito. Teresina: EDUFPI, 2017.
ROSA, Sonia. Quando a escrava Esperança Garcia escreveu uma carta. Rio de Janeiro: Pallas,
2012.
SITE: < esperancagarcia.org/>
SOUZA, Elio Ferreira de. A carta da escrava Esperança Garcia de Nazaré do Piauí: uma narrativa
de testemunho precursora da literatura afro-brasileira. LITERAFRO – www.letras.ufmg.br/literafro.
WILLIAM, André; RIBEIRO, Júnior. Documentário Esperança Garcia. Universidade Estadual do
Piauí. Disponível em <youtube.com/watch?v=oTD5fRXu-wA>. 9 de maio de 2019.
SAMBA EBREDO: Esperança, Presente!
Compositores: Gilmar L Silva / Júlio Cesar / Marcio de Deus / Moisés Santiago / Orlando Ambrósio /
Richard Valença / Rogério de Cavalcante / Serginho Rocco / Telmo Motpo
Intérpretes: Arthur Franco e Igor Pitta
O MEU CANTO É POR JUSTIÇA
POR DOIS LADOS NA BALANÇA
EU ME CHAMO ESPERANÇA
NA PREMISSA, OBAKOSO
DEFESA DE QUEM SANGROU
ACALANTO DE QUEM SENTE
ONDE CADA ESCRAVO VIRA RÉU
É TROVÃO QUE RASGA O CÉU
SEU MACHADO ESTÁ PRESENTE
NO SUOR DA PLANTAÇÃO, FIO A FIO A PROTEÇÃO
DOS SAGRADOS ANDARILHOS
O SABER DE GRÃO EM GRÃO, PRA ENFRENTAR O CAPITÃO
PRA DAR COLO A CADA FILHO
SEPARADA PELA DOR, NAS AMARRAS DO FEITOR
AOS OLHOS DE NAZARÉ
MINHA FÉ NINGUÉM CALOU, SOU A FILHA DE XANGÔ
A ESSÊNCIA DE MULHER
LERE LERE, KABESILÊ, OJUOBÁ
LERE LERE, KABESILÊ
OJUOBÁ, ME TORNEI
ONDE O VERBO ME INVADE
SOU PALAVRA QUE ARDE
SEI QUE AINDA HÁ A TORTURA
MAS ESCREVO PRA VENCER
(NÓS VAMOS VENCER)
ESTA SINA QUE PERDURA
OH, DEUS! DEDIQUEI A PALAVRA
A CADA ALMA PRETA QUE PARTIU
NA CARTA A LIBERDADE É ASSINADA
POR TODAS AS MARIAS DO BRASIL
AINDA QUE SEJA O LUGAR DO FOLIÃO
CARNAVAL TAMBÉM É VOZ PRA CALAR A ESCRAVIDÃO
TÁ EM CIMA DA HORA MAS É TEMPO DE EVOCAR
A ESPERANÇA ONDE O SAMBA HÁ DE LUTAR
MEU CANTO É POR JUSTIÇA
POR DOIS LADOS NA BALANÇA
EU ME CHAMO ESPERANÇA
NA PREMISSA, OBAKOSO
DEFESA DE QUEM SANGROU
ACALANTO DE QUEM SENTE
ONDE CADA ESCRAVO VIRA RÉU
É TROVÃO QUE RASGA O CÉU
SEU MACHADO ESTÁ PRESENTE
NO SUOR DA PLANTAÇÃO, FIO A FIO A PROTEÇÃO
DOS SAGRADOS ANDARILHOS
O SABER DE GRÃO EM GRÃO, PRA ENFRENTAR O CAPITÃO
PRA DAR COLO A CADA FILHO
SEPARADA PELA DOR, NAS AMARRAS DO FEITOR
AOS OLHOS DE NAZARÉ
MINHA FÉ NINGUÉM CALOU, SOU A FILHA DE XANGÔ
A ESSÊNCIA DE MULHER
LERE LERE, KABESILÊ, OJUOBÁ
LERE LERE, KABESILÊ
OJUOBÁ, ME TORNEI
ONDE O VERBO ME INVADE
SOU PALAVRA QUE ARDE
SEI QUE AINDA HÁ A TORTURA
MAS ESCREVO PRA VENCER
(NÓS VAMOS VENCER)
ESTA SINA QUE PERDURA
OH, DEUS! DEDIQUEI A PALAVRA
A CADA ALMA PRETA QUE PARTIU
NA CARTA A LIBERDADE É ASSINADA
POR TODAS AS MARIAS DO BRASIL
FICHA TÉCNICA:
Fundada em 15 de Novembro 1959 (63 anos)
Cores: Azul pavão e branco do Morro da Primavera
Símbolo: Lira com Relógio
Bairro: Cavalcanti
Enredo: Esperança, Presente!
Presidente: Heitor Fernandes
Vice-presidente: Maicon Mayer
Comissão de Carnaval: Júnior BadBoy e Leandro Azevedo
Direção de Harmonia: Paulinho Lins
Primeiro casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira : Johnny Mattos e Jack Gomes
Carnavalescos: Marco Antonio Falleiros e Carlos Eduardo (Cadu)
Rainha de Bateria: Anny Santos
Comando de Bateria: Leo Capoeira
Coreografia: Leandro Azevedo (Karla Flor, Júnior Ribeiro)
Escola-Madrinha: Portela
Eredista/ Pesquisadores: Victor Marques e Clark Mangabeira
Diretor de comunicação: Daniel Thomson
Intérprete: Arthur Franco /
Composição: Gilmar L Silva / Júlio Cesar / Marcio de Deus / Moisés Santiago / Orlando Ambrosio /
Richard Valença / Rogério de Cavalcante / Serginho Rocco / Telmo Motpo