03 – Estação Primeira de Mangueira é a terceira escola a entrar na Avenida
Por Redação
Reportagem: Gilvan Lopes, Heitor Olímpio, Jorge Bezerra, Gil Bezerra, Lú Rufino, Rafael Rios e Sirlene Oliveira
Fotos por Jorge Bezerra e Mariana Barcellos
Imagens: Marcelo Faria
Produção: Julia Fernandes
Suporte Remoto: Jack Costa
Editor: Julia Fernandes e Gilvan Lopes
Diretor de Jornalismo: Marcelo Faria
A Verde Rosa do Morro da Mangueira tenta conquistar mais um título para sua coleção de vitórias e leva para a Sapucaí em seu desfile o enredo: “A Verdade Vos Fará Livre”, desenvolvido pelo carnavalesco Leandro Vieira.
Refaz os passos de Jesus Cristo e se pergunta: “Como seria se Ele vivesse nos tempos atuais, em uma comunidade carente como a do morro da Mangueira, injustiças sofreria?
SAMBA ENREDO: “A Verdade Vos Fará Livre”
Autores: Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo
Intérprete: Marquinho Art’Samba
Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque Pilintra no Buraco Quente
Meu nome é Jesus da Gente
Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão
Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e Corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais na escuridão
Favela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem Messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão
Do céu deu pra ouvir
O desabafo sincopado da cidade
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
E ressurgi no cordão da liberdade
Mangueira
Samba, teu samba é uma reza
Pela força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do Samba também
Sinopse do Enredo: “A Verdade Vos Fará Livre”
“Vou pedir que me levem lá pro céu
Que cada dia chega mais perto do morro
E onde já viram Deus compondo
Um samba para escola desfilar”
(SAMBA de Hermínio Bello de Carvalho e Maurício Tapajós)
Nasceu pobre e sua pele nunca foi tão branca quanto sugere sua imagem mais popular. Sem posses e mais retinto do que lhe foi apresentado, andou ao lado daqueles que a sociedade virou as costas oferecendo-lhes sua face mais amorosa e desprovida de intolerância. Sábio, separou o joio do trigo, semeou terrenos férteis e jamais deixou uma ovelha sequer para trás.
Exaltou os humildes e condenou o acúmulo de riqueza. Insurgiu-se contra o comércio da fé e desafiou a hipocrisia dos líderes religiosos de seu tempo. Questionou o poder do império romano e condenou a opressão. Seu comportamento pacifista e suas ideias revolucionárias inflamaram o discurso dos algozes que passaram a excitar o estado a decretar sua sentença. O fim todos sabemos: Foi torturado, padeceu e morreu.
Séculos depois, sua trajetória ainda anda na boca dos homens e em seu nome, para o mal dito “de bem” – e com rígido contorno de moralidade – muito já foi realizado de forma estanque ao sentido mais completo do AMOR por ele difundido. O amor incondicional, irrestrito e ágape.
Por isso, quando preso à cruz, ele não pode ser apresentado como um. Ser um, exclui os demais. Preso à cruz, ele é a extensão de tantos, inclusive daqueles que a escolha pelo modelo “oficial” quis esconder. Sendo assim, sua imagem humana não pode ser apenas branca e masculina. Na cruz, ele é homem e é também mulher. Ele é o corpo indígena nu que a igreja viu tanto pecado e nenhuma humanidade. Ele é a ialorixá que professa a fé apedrejada e vilipendiada. Ele é corpo franzino e sujo do menor que você teme no momento em que ele lhe estende a mão nas calçadas. Na cruz, ele é também a pele preta de cabelo crespo. Queiram ou não queiram, o corpo andrógino que te causa estranheza, também é a extensão de seu corpo.
Sem anunciar o inferno, ele prometeu que voltaria. Acredito que, se ele voltasse à terra por uma encosta que toca o céu – para nascer da mesma forma: pobre e mais retinto, criado por pai e mãe humilde, para viver ao lado dos oprimidos e dar-lhes acolhimento – ele desceria pela parte mais íngreme de uma favela qualquer dessa cidade. Talvez na Vila Miséria*, região mais alta e habitada do Morro de Mangueira. Ali, uma estrela iluminaria a sala sem emboço onde ele nasceria menino outra vez. Então, ele cresceria entre os becos da Travessa Saião Lobato*, correria junto das crianças da Candelária*, espalharia suas palavras no Chalé* e no “Pindura” Saia*. Impediria que atirassem pedras contra os que vivem nas quebradas e nos becos do Buraco Quente*. Estaria do lado dos sem eira e nem beira estranhando ver sua imagem erguida para a foto postal tão distante, dando as costas para aqueles onde seu abraço é tão necessário.
Se sobrevivesse às estatísticas destinadas aos pobres que nascem em comunidades, chegaria aos 33 anos para morrer da mesma forma. Teria a morte incentivada pelas velhas ideias que ainda habitam os homens. O amor irrestrito ainda assusta. A diferença jamais foi entendida. Estender a mão ao oprimido ainda causa estranheza. Seria torturado com base nas mesmas ideias.
Morto, ressuscitaria mais uma vez e, por ter voltado em Mangueira, saudaríamos a possibilidade de vermos seu sorriso amoroso novamente com o que aqui fazemos de melhor. Louvaríamos sua presença afetuosa com samba e batucada. Vestiríamos todos nossa roupa mais cara. Aquela de paetês e purpurina. De cetim com joias falsas. Desfilaríamos diante dele e, em seu louvor, instauraríamos a lei que rege nossos três dias de folia. Sem pecado, irmanados e em pleno estado de graça.
Explicaríamos nessa ocasião que a cruz pesada que carregamos como fardo ao longo do ano nos é tirada das costas no carnaval. Por ter vencido a morte e sem ter o peso de sua cruz nas costas, ele sorri para a baiana que desce para se apresentar. Ele acena com a mão direita para a passista que amarra a sandália, enquanto a mão esquerda dá a benção para o ritmista que rompe o silencio com a levada de seu tamborim.
Fitando o céu, ele parece ver algo ou alguém acima da linha do horizonte . Sorri, como se pego em meio a brincadeira e se soubesse humano também. Entendendo que ali ele é rebento e que todos, sem exceção, são seu rebanho; ciente de que o pecado, por vezes, é invenção para garantir medo e servidão, ele pede para que toda essa gente que brinca anuncie enquanto canta sorrindo: A VERDADE VOS FARÁ LIVRE.
Vila Miséria* Travessa Saião Lobato* Candelária* Chalé* Pindura Saia* Buraco Quente* – Todos os nomes referem-se a localidades ocupadas pela comunidade do Morro da Mangueira.
Carnavalesco: LEANDRO VIEIRA
PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E TEXTO: LEANDRO VIEIRA
Largada da Estação Primeira de Mangueira, o interprete Marquinhos ArtSamba e a Bateria da verde e rosa, comandada pelo Mestre Wesley, fazendo a alegria da sua imensa torcida.
FICHA TÉCNICA
Fundação 28/04/1928
Cores Verde e Rosa
Presidente Elias João Riche Filho
Presidente de Honra Nelson Sargento
Quadra Rua Visconde de Niterói, 1.072 – Mangueira, CEP 20943-001
Telefone Quadra (21) 2567-4637
Barracão Cidade do Samba (Barracão nº 13) – Rua Rivadávia Correa, nº 60 – Gamboa – CEP: 20.220-290
Telefone Barracão (21) 2223-5889
Internet www.mangueira.com.br
Imprensa Rubem Machado
e-mail: rubemachado@gmail.com
Tel.: (21) 99954-1476
Enredo 2020 “A Verdade Vos Fará Livre”
Carnavalesco Leandro Vieira
Intérprete Marquinho Art’ Samba
Mestres de Bateria Wesley
Rainha de Bateria Evelyn Bastos
Mestre-Sala e Porta-Bandeira Matheus Olivério e Squel Jorgea
Comissão de Frente Rodrigo Negri e Priscila Motta