01 A – GRES Arranco do Engenho de Dentro
Por Marcelo Faria e Equipe Sambrasil Rio
Reportagens: Sirlene Oliveira, Ricardo Netto, Gilvan Lopes, Roberta Campos, Lizia Nascimento, Fernanda Gaspar e Rafael Rios
Imagens: Julia Fernandes, Sirlene Oliveira, Fernanda Gaspar e Lizia Nascimento
Fotografias: Arlene Melo, Marcelo Faria, Lizia Nascimento, Fernanda Gaspar e Marcelo S. Faria
Suporte técnico: Jack Costa e Jaime Jotta Jr.
Videomaker: Jaime Jotta Jr. e Raphael Rios
Produção: Lízia Nascimento e Fernanda Gaspar
Redes Sociais: Jack Costa, Lízia Nascimento, Julia Fernandes e Sirlene Oliveira
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Festejando seus 50 anos de fundação, a Arranco do Engenho de Dentro, na figura do líder religioso,
compositor, jornalista, arengueiro e um dos fundadores da Mangueira, Zé Espinguela, vai mostrar o
nascimento dos desfiles das escolas de samba.
Evento que começou em seu terreiro, no Engenho de Dentro, onde hoje está a quadra da escola. O
enredo é de autoria do carnavalesco Antônio Gonzaga.
ENREDO – Zé Espinguela, Chão do Meu Terreiro
Sinopse do Enredo
AS RAÍZES
Meu Arranco do Engenho de Dentro,
Sua terra é preta e preto é o tambor que nossa gente toca nessa Avenida, o mesmo tambor que
tocava em meu terreiro. É matriz de samba, herdeiro de semba, ancestralidade. Sou negro, filho de
negros, neto de negros, negros de tantas raízes africanas que atravessaram terras e tempos até se
misturarem às amendoeiras, jaqueiras, mangueiras, tamarineiras das ruas do Rio de Janeiro, dos
subúrbios — até se fazerem novas raízes nesses nossos terreiros, dessa nossa gente. Meu nome é
José Gomes da Costa, mas podem me chamar de Zé Espinguela. Arranco, seu chão é o meu chão.
Fiz dele minha casa. Como muitos fizeram em cada chão uma casa, em cada corpo uma casa, em
cada canto uma fé. O sangue malê que corre em meu corpo alufá é o sangue do saber e da
transformação. Ele está em cada búzio lançado no opon ifa, em cada destino adivinhado nas areias,
no tanto de axé, encantamento e de tantas fés que correm em tuas ruas suburbanas, nas muitas
macumbas que nos definem.
O Rio que carrego comigo é também um lugar de festa. Reza, luta e festa. Carnaval. Aqui eu me
misturei às folias nos blocos de sujo, me fantasiei para os banhos de mar, batuquei com Zé Pereira e
me encantei com os ranchos colorindo a Praça Onze nos braços de tias pretas. É esse Rio de
encruzilhadas que eu vejo agora enquanto ouço seus tambores, Arranco, se preparando para tomar
a Marquês de Sapucaí, na mesma Praça Onze onde o samba nasceu.
Durante muito tempo meu carnaval foi de festa e também de briga. Eu brincava nos Arengueiros do
Morro de Mangueira. Rapaziada boa de samba e boa de briga. A gente descia as ladeiras do morro
e ia se encontrar com o Faz Vergonha, dos meninos de Vila Isabel, na Praça Maracanã. Muitos
outros blocos, muitas outras brigas. Ali era batalha de ginga, canto, verso, braço e perna. Às vezes
navalha.
Eu gostava de estar em Mangueira. Onde tem batuque e reza a gente se encontra e vai ficando. Eu
ia pras casas das mães pretas do morro, casas de canto e encanto. Bati cabeça com elas nos
terreiros, reverenciei seus orixás. Oxóssi, Iansã, Ogum, Xangô. Me dava com a gente do morro.
Cartola, Carlos Cachaça, Maçu, Saturnino, Zé da Zilda, Zé Com Fome, os outros. Foi num dia assim,
de batuque, cachaça e conversa, na casa de Seu Euclides, que fundamos a Estação Primeira de
Mangueira. Cartola tinha escrito “Chega de Demanda” pra pôr fim naquelas batalhas de arengueiros.
Tava certo, o Angenor. A Mangueira chegou pra pacificar as coisas e colorir de verde e rosa o nosso
carnaval.
A SEMENTE
“Foi em 1929 […]. Realizei no Engenho de Dentro. Sagrou-se vencedora a Portela, sabiamente
dirigida pelo Paulo. Mangueira também se apresentou pujante, tendo os seus sambistas Cartola e
Arturzinho apresentado dois sambas monumentais.” (Entrevista de Espinguela, Jornal A Nação,
1935.) Rio, 20 de janeiro de 1929. Dia de Oxóssi, de São Sebastião. Antes de tudo existir, já estava
tudo aqui: a batucada, os versos, as bandeiras. Os fundamentos e assentamentos, a festa, a
disputa. Tudo aqui.
Na minha casa, na Adolpho Bergamini, criei uma disputa de samba para saber quem era melhor. Eu
tinha feito um concurso no ano anterior, mas esse de 29 é que ficaria marcado para sempre na
História. Convoquei o povo da Deixa Falar, do Conjunto de Oswaldo Cruz e da minha Mangueira.
Uma se transformaria no que é hoje a Estácio de tantas glórias. O outro viraria a Portela, que
emprestaria o azul e branco de sua bandeira para amadrinhar sua história, Arranco. E a
Mangueira… bem, a Mangueira segue sendo a Estação Primeira.
As agremiações trouxeram para o terreiro o que tinham de melhor, e o teu chão de engenho foi
riscado por muitos e grandes bambas. Das bandas do velho Estácio vieram Ismael e
Benedito Lacerda. De Oswaldo Cruz, Paulo Benjamim de Oliveira, Heitor dos Prazeres e Antônio
Caetano. Minha Mangueira mandou Cartola e Arturzinho. Estavam todos aqui. Ainda estão. Naquele
dia de Oxóssi e São Sebastião, a Sapucaí era aqui, nessa terra em que piso. Cada compositor
cantava seus versos. As torcidas vibravam, a batucada foi até tarde, uma farra. O vencedor foi Heitor
dos Prazeres, com “Não adianta chorar”, mas, como seria costume dali em diante, a apuração e o
anúncio do vitorioso causaram uma baita confusão.
A solução foi decretar que todos eram vencedores e dar um troféu para cada agremiação. Dizem por
aí que eu fui o primeiro a virar a mesa no carnaval… Mas veja bem, Arranco, aqui no nosso chão,
naquele momento, uma nova semente foi lançada em teu solo suburbano — e logo as raízes desse
samba começaram a se espalhar. O Rio de Janeiro veria novas escolas aparecerem, criadas a partir
de blocos e batucadas, assentadas nos muitos terreiros da cidade. Depois passaram a desfilar na
avenida. Alas, carros alegóricos, enredos, sambas de enredo, comissões de frente, tudo foi
chegando e foi ficando. No fundo, os fundamentos do concurso de 1929 estarão sempre presentes.
O tambor, o terreiro, o samba e o sambista: é a isso que chamam chão. O nosso chão.
O TRONCO
“Espinguela, preciso que você faça um trabalho pra mim”. Quando ouvi o maestro Villa-Lobos
dizendo essas palavras, pensei cá comigo: “ué, o maestro é chegado numas mandingas?, tá
querendo que eu faça um despacho pra livrar ele de mau olhado, pra arrumar um amor, será que é
isso?” Era não. Ele me conhecia do jornal Vanguarda, onde eu trabalhava, e só queria ajuda para
reviver os cordões. O Sodade do Cordão seria um cordão com o jeito dos antigos carnavais. Nada
de briga, nada de bagunça, só festa, fantasia, dança e amor. Transformei meu terreiro numa espécie
de barracão, desses que hoje ocupam a Cidade do Samba. Lá eu mesmo confeccionei as fantasias
de caboclos, homens-sapos, cucumbis. Nas alas, vieram reis, rainhas, morcegos e diabos. De
cacique, eu saí na frente do cordão.
O Sodade abriu caminhos para outros convites. Villa Lobos trouxe um outro maestro, Leopold
Stokowski, para apresentá-lo à cultura brasileira. Gravamos nossas músicas a bordo do navio
Uruguai, ancorado na Praça Mauá. Cartola, Pixinguinha, João da Baiana e Donga estavam lá. Native
Brazilian Music foi o nome que deram para o disco — achei “o fino”, como se dizia. Deixei três
gravações com meu Grupo do Pai Alufá: “Macumba de Oxóssi”, “Macumba de Iansã” e “Cantiga de
Festa”. Essa era minha vida: as rezas, as giras, os cantos, o samba, as ruas. Durante muito tempo
foi assim.
OS FRUTOS
Quando parti deste mundo, queria ter, ainda em vida, aquela sensação boa que via nos gurufins.
Queria aquela mistura de tristeza e de festa, queria percorrer as ruas suburbanas e subir as ladeiras
do morro de Mangueira anunciando minha partida. Queria ouvir o surdo batendo no ritmo da minha
minha primeira estação, os tambores dos nossos terreiros batendo, sentir o cheiro da terra e das
pessoas do morro, a ladainha nas capelas, o jogo de bola, o povo do samba se divertindo no Buraco
Quente, a algazarra das biroscas, o barulho que a criançada faz quando brinca, as juras de amor
declaradas nos quartos de dormir, os cantos de festa e de dor, quis me despedir da vida onde ela
me foi mais bonita. Adeus, Mangueira. A gente parte chorando, como disse no samba, mas parte
sabendo que deixou uma semente.
Essa semente, meu Arranco do Engenho de Dentro, deu muitos frutos. Era o destino revelado no
opele. São frutos nascidos nos terreiros, nas rodas e nas quadras, no fundo dos nossos quintais, nos
quilombos transformados em favelas, nos templos de persistência da cultura negra e popular. Eles
continuam frutificando onde os tambores batem mais forte, onde nossos corações batem mais forte,
onde a vida segue e resiste como arte. O nosso chão semeado é o chão da gente negra; o nosso
chão é o chão das escolas de samba.
Os fogos anunciam o início do Carnaval de 2023 na Marquês de Sapucaí. Quase cem anos se
passaram desde aquele dia 20 de janeiro e posso ver agora que as marcas deixadas no nosso
terreiro permanecem. Elas estão em cada pavilhão, em cada passista, na dança de mestre-sala e
porta bandeira, nos versos dos poetas, na roupa alinhada que veste a velha-guarda, no suor da
harmonia, na gente que trabalha escondida nos barracões, na alegria das alas no toque do repique,
no barulhinho bom que vem no giro das saias das baianas, no brilho e no perfume que cada escola
de samba tem. O nosso Brasil é um terreiro e toda escola é um quilombo.
Posso ver tudo isso agora enquanto olho nossa gente vestida de azul e branco entrando na avenida
e comemorando 50 anos de sua história. E como é bonito te ver, meu Arranco, defender nossas
raízes, nossos quilombos de resistência e arte, nossas heranças e suas novas sementes plantadas.
E como você está lindo, meu Arranco. Sua gente feliz, teus santos felizes, teu canto feliz.
Zé Espinguela
SAMBA ENREDO: ZÉ ESPINGUELA – CHÃO DO MEU TERREIRO
Compositores: Junior Fionda, Niltinho Tristeza, Antônio Carlos, Rafael Pereira , Marcelinho Santos,
Alex Magno, Rogério Santa Cruz , Gigi da Estiva, Tem-Tem Jr, João Afonso, Vinicius Sarciá,
Valtinho Botafogo e Diego Nicolau
Intérprete: Diogo Nicolau e Pâmela Falcão
Meu chão… Foi terra batida
Quinhão fundamento
Pedaço de África Engenho
de Dentro
Raiz ancestral no destino de ifá
O sangue malê no meu corpo alufá
O ponto é reza cantada
Axé de macumba
Quizombeiro da folia
Onde a arte fecunda
Mãe baiana ê mãe de semba
Pemba e samborê
Canto de arengueiro
Pulsa a marcação, nasce uma bandeira
Pai na certidão de mangueira
E das bandas do Estácio, Benedito e Ismael
Verde e rosa de Arturzinho e Cartola menestrel
Era dia de Oxóssi, batucada a noite inteira
Salve Paulo, Heitor, Caetano… Madureira!
Dos nossos cordões ô saudade
Enfeitava os barracões, fantasia a liberdade
Carnaval em sinfonia nas encruzas do brasil
Cada casa, cada santo, cada bamba que surgiu
Sou verso luzindo na alvorada
Teu surdo infindo eterna morada
Hei de voltar pro meu canto, raiz floresceu
Adeus, escola de samba, adeus
Venceu, a escola de samba venceu
Nas contas do opelé
Em cada caminho de fé
Me guia ô me guia
Arranco é quilombo de zé
É terra regada de axé
Onde a voz do samba é alforria
Obá obá
Do subúrbio e da favela
Obá obá
No terreiro de Espinguela
(Me chamam de Zé Espinguela)
FICHA TÉCNICA:
Presidente: Tatiana Santos
Presidente de Honra: Antônio Carlos Junior
Vice-presidente: Dona Dná
Direção de Carnaval: Michel Porto, Adriano Amaral e Junior Fionda
Direção de Harmonia: Nélio Azevedo
Carnavalescos: Antônio Gonzaga
Intérpretes: Diogo Nicolau e Pâmela Falcão
1º Casal de Mestre-sala e Porta-bandeira: Yuri Souzah e Gislane Lira
Mestre de Bateria: Cabide e Marley
Comissão de Frente: Fábio Bastita
Rainha de Bateria:
ENREDO: Zé Pinguela – Chão do meu terreiro